São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 1997
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'Obrigadíssimo', Darcy

ESTHER PILLAR GROSSI

É um tanto incômodo abordar, após sua morte tão recente e tão tocante para todo o país, meu ponto de vista sobre Darcy Ribeiro e a educação. É incômodo porque é difícil ser compreendida e assimilada numa posição que inclua análises não inteiramente positivas, logo depois que alguém morreu, as quais são tomadas como desrespeitosas ou desamorosas a quem estamos ainda dizendo simultaneamente "adeus ao corpo" e "bem-vindo ao espírito", inspirando-nos em Isabel Allende, no final de seu belíssimo livro, "Paula". A vida de Darcy cravada, como parte de sua paixão total e abrangente, pelo desejo de alfabetizar a todos os brasileiros e de produzir aprendizagens verdadeiras em todos os níveis, particularmente na universidade, continua sendo um agulhão e um suporte para que isso aconteça.
Sobretudo porque Darcy Ribeiro, profeticamente, já nos idos de 1985, no encontro nacional da SBPC, ao denunciar o "apartheid" violento que se faz no Brasil entre os que devem aprender, porque fazem parte de uma suposta elite inteligente, e a massa dos previamente excluídos, porque nasceram sem esse dom, anunciava a mais importante descoberta do construtivismo pós-piagetiano, a de que "todos podem aprender".
O construtivismo pós-piagetiano é uma das explicações mais convincentes sobre o que é aprender. Darcy Ribeiro, junto com Leonel Brizola, ao priorizarem politicamente a educação, propondo e construindo Cieps, sobretudo enfatizam as dimensões democráticas de um projeto para a escola, isto é, o sonho de uma escola de qualidade para todos.
É preciso, entretanto, incorporar a esse projeto algo essencial, isto é, uma proposta didático-pedagógica efetivamente condizente com os mais sólidos achados das ciências da inteligência disponíveis hoje, para muito além das boas condições materiais de prédios e de recursos para alimentação e manutenção do aluno o dia inteiro na escola.
Darcy foi genial como lutador incansável pelo direito à igualdade de oportunidades para todos, que garanta o acesso à gostosura do saber, tão essencialmente saboreado por ele, um intelectual inveterado, segundo suas próprias avaliações de que era possuído pelo "vício" de estudar e escrever.
Amando-o e honrando-o profundamente é que ousamos complementar seu sonho, por exemplo, com um caderno para alfabetizar adultos em três meses, que o Grupo de Estudos sobre Educação Metodologia de Pesquisa e Ação -Geempa- acaba de pôr à disposição do MEC, elaborado por solicitação desse ministério.
A comunidade científica educacional deste país há de perseguir a concretização, no dia-a-dia escolar, dos achados de Piaget, de Vygotsky, de Wallon, de Paulo Freire, de Emilia Ferreiro, de Sara Pain e de tantos outros, estudiosos das riquezas do processo de aprender. Seu amor à vida e sua garra em mantê-la, sua criatividade e seu tesão darão suporte ao imenso esforço que essa concretização exige. "Obrigadíssimo" a Darcy.

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