São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 1997
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Um marketing de morte

HELCIO EMERICH

"Existe um local no lado leste da cidade no qual você pode caminhar por trilhas sob árvores mais antigas do que a própria cidade. Alimentar os patos que nadam no lago e que virão comer em suas mãos. E visitar monumentos em homenagem aos homens e mulheres mais famosos deste lugar. O nome desse local é Cemitério Lake View, mas os seus 285 acres de flores, gramados e lagos são tão bonitos que as pessoas já passaram a chamá-lo de Museu ao Ar Livre Cleveland. Aqui você pode ter uma visão do que irá encontrar ao passar uma tarde no Lake View."
O anúncio com esse texto, ilustrado por fotos de flores, árvores centenárias, capela e monumentos (inclusive um obelisco em homenagem a John D. Rockfeller) foi publicado há pouco tempo nos jornais da cidade de Cleveland, Ohio, e marca o início de uma nova ofensiva de marketing das empresas que operam cemitérios particulares ou casas funerárias nos Estados Unidos.
Há uns dez anos, o uso da comunicação de massa para promover esse tipo de negócio era uma prática considerada algo mórbida pela opinião pública do país, mas algumas mudanças no perfil da sociedade norte-americana encorajaram os marqueteiros do setor a voltar à mídia, em alguns casos com campanhas tão agressivas quanto aquelas destinadas a vender produtos de consumo.
No final deste século, haverá nos EUA uma população estimada de 90 milhões de pessoas com idade acima de 45 anos, e, nesse segmento, a taxa de mortalidade tem sido mais alta do que nas décadas de 70 e 80.
A geração dos "baby boomers" está assistindo à morte dos seus pais e a Aids continua ceifando vidas, principalmente entre o público jovem.
Para os grupos que atuam no chamado "death-care", isso é visto apenas como oportunidade de mercado, e todos os recursos do marketing devem ser mobilizados para a conquista dos "consumidores" potenciais de terrenos em cemitérios e serviços funerários.
É um meganegócio: a SCI (Service Corp. International, com sede em Houston, no Texas), a maior companhia do ramo nos EUA, opera 1.400 casas funerárias, 213 cemitérios e 52 floriculturas. Emprega 2.000 vendedores e só em contratos para a organização de funerais faturou, em 1995, a bagatela de US$ 150 milhões.
Além da propaganda, a empresa utiliza a venda de porta em porta, por telefone, mala direta e catálogos para distribuição nas suas lojas e cemitérios. Um trabalho especial de relações públicas é desenvolvido junto a igrejas de várias denominações, visando persuadir padres e pastores a avalizar a recomendação dos seus serviços.
Com todo esse aparato publicitário e promocional, a SCI procura atenuar a agressividade do seu marketing recorrendo, na comunicação, a "approaches", digamos assim, mais elípticos.
As campanhas não exploram os sentimentos dos idosos ou dos seus familiares. A idéia é induzir as pessoas, inclusive os jovens, a fechar um contrato de forma "individual e espontânea". "Você tem tomado decisões durante toda a sua vida. Por que parar agora?" desafia o título de um dos anúncios.

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