São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 1997 |
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Coragem é virtude de Stern
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
Por que não? Como tantos outras celebridades, Stern é um personagem de si próprio. O homem privado é capaz das maiores delicadezas; o público é incapaz de qualquer demonstração de sutilidade. O sucesso de Stern numa sociedade como a norte-americana é tão contraditório e compreensível como essa convivência de personalidades tão díspares num mesmo corpo humano. Os norte-americanos são moralistas, puritanos, equalitários, ingênuos e adoram Stern, amoral, lascivo, egocêntrico, racista e manipulador. Stern é adorado por fazer sucesso. Mas a construção desse sucesso foi feita com instrumentos mais sólidos, reais. Primeiro, ele dizia o que a classe operária branca de Nova York queria ouvir sobre os negros, hispânicos e asiáticos que destruíam o seu ambiente e ameaçavam o seu futuro. Ele falava no rádio o que os seus ouvintes só tinham coragem de falar entre si. Segundo, ele contava as piadas sobre mulheres e homossexuais que ninguém mais tinha a coragem de contar e nem só os operários conservadores se deliciavam ao ouvi-las. Terceiro, porque Stern é um dos mestres da relação sado-masoquista típica dos talk-shows dos EUA. O ouvinte gosta de ser ofendido pelo radialista e sente prazer quando outros ouvintes são maltratados. Num universo em que a solidão é o império de milhões, qualquer atenção é melhor do que nenhuma, até a do violentador. O filme de Stern está ganhando público e crítica. Mesmo os comentadores mais sofisticados parecem estar se rendendo ao seu encanto profano. "Eu cresço em vocês como um fungo", diz na autobiografia em que se baseia a fita. O tipo de humor que Stern faz está ganhando mais e mais fãs nos EUA. Um humor nojento, escatológico, sem nenhuma barreira. Alguém que é capaz de dizer que Magic Johnson merecia o vírus HIV que contraiu, de brincar com a morte de Selena, de se referir às mulheres como um cafetão, decerto tem suas virtudes, a coragem sendo a primeira delas. O filme está agradando porque é muito mais domesticado do que os programas de rádio, e por aí pode vir a acabar todo o valor "artístico" ou social que Stern tem. Se ele se deixar levar pela tentação de ser amado pelas pessoas e cortejá-las, seu encanto talvez se evapore. O filme é engraçado quando Stern parodia a si mesmo e piegas quando tenta se mostrar como deve ser na verdade: o homem de família, afetuoso, preocupado, responsável. Se usar o cinema como seu confessionário, Stern vai se dar mal. Ele deve saber, porque intuitivamente explora as características de cada meio magistralmente, que no cinema a rudeza do rádio não funciona. Mas o "rei da mídia" pode perder sua majestade caso tenha que deixar cair um dos pratos para manter os outros equilibrados. O efeito dominó vai destruí-lo. O que será uma pena, por mais desprezível que ele seja. Texto Anterior: 'Larry Flint' do rádio leva humor de banheiro ao cinema Próximo Texto: Humorista diz sentir-se um lixo Índice |
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