São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 1997
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Frustrado, jovem albanês não vê futuro para o país

KURT SCHORK
DA "REUTER", EM VLORË

Eli Duro tropeça em meio à penumbra de um bar de hotel à beira-mar, abraçado a uma garrafa de cerveja italiana e invocando a "época das pirâmides".
O som abafado de uma explosão interrompe sua narrativa. As janelas do bar trincam visivelmente, chacoalhando nas esquadrias.
São moradores do porto de Vlorë que pescam à albanesa: atirando granadas ao mar.
Eli, que trabalha no hotel, reclama do congelador da cozinha. Está abarrotado de peixe por falta de consumidores. "Desde o fim do tempo das pirâmides, nossos únicos hóspedes têm sido jornalistas estrangeiros", explica. "Eu tento convencê-los a comer, mas não temos mais cozinheiro. Quem quiser peixe, tem de prepará-lo por conta própria. A maioria dos jornalistas prefere fazer macarrão."
"Tempo das pirâmides" é a alcunha de um passado recente em que pessoas comuns pensaram que podiam ficar ricas da noite para o dia se investissem em esquemas financeiros que prometiam retornos milionários.
Eli, 20, desconfiou, mas acabou cedendo. Investiu US$ 9.000 em uma pirâmide local, conhecida como Gjallica. A quantia era o produto de dois anos de trabalho como operário e garçom na Grécia, acrescida do que Eli ganhou com a venda da casa de seus pais.
"Com o dinheiro da venda, meus pais, meus irmãos e eu nos mudamos de nosso vilarejo para Vlorë, onde alugamos outra casa. Nenhum de nós tinha emprego, mas isso não fazia a menor diferença, pois íamos ficar ricos."
"Um belo dia, parlamentares apareceram aqui dizendo que queriam de volta o dinheiro que tinham investido na Gjallica. Claro que eles receberam tudo. No dia seguinte, a Gjallica fechou as portas. Foi o fim para nós."
Dezenas de milhares de famílias faliram com o colapso de nove pirâmides. O próspero sul, onde havia dinheiro para investir, foi o mais prejudicado. Culpando o presidente Sali Berisha por seu drama, os sulistas se rebelaram.
Jovens albaneses como Eli não dão a mínima. Falar de política ou de vingança os deixa entediados. Eles querem sumir.
"Por mim, iria para Itália ou Grécia. Posso voltar a ganhar dinheiro. Mas me preocupo com minha família. Como eles vão fazer?"
A conversa é interrompida por rajadas de metralhadora. "Dez dias atrás, esse som era música para mim. Agora fico enojado. Tudo aqui está nas mãos da máfia", disse Eli. "Na minha vila, o chefe de polícia é um condenado que acabou de fugir da cadeia."
O Exército e as forças de segurança sumiram de Vlorë. O poder de fato pertence à máfia, que há muito vem traficando drogas, armamento e gente da Albânia para o resto da Europa, especialmente para a Itália.
"Parece idiotice termos perdido todo o nosso dinheiro", disse Eli. "Mas nós albaneses não fomos os únicos. No tempo das pirâmides, este hotel estava lotado de investidores italianos."

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