São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 1997
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Esquerda, direita e centro hoje

RENATO JANINE RIBEIRO

A consolidação do domínio de direita na cidade de São Paulo é um problema sério, que nos faz perguntar se estará nossa cidade fadada, pela escolha mesma de seus eleitores, a ter prefeitos que adotem prioridades inversas às necessárias para o desenvolvimento social. Terá São Paulo se tornado uma cidade a esse ponto conservadora?
E, questão mais ampla, se a única chance de barrar o malufismo estaria numa aliança da esquerda com o centro (em termos paulistanos, do PT com o PSDB), o fato de estar coligado o centro com a direita no plano federal (ou seja, o PSDB com o PFL, tendo como sócio correspondente o PPB) impedirá, aqui e em outras cidades, uma política realmente social?
Estaremos assim condenados, pelo recorte político federal, a ter prefeituras atadas ao passado? Eis o nó que, se conseguirmos desatar, abrirá caminho para reformas sérias na sociedade.
Não se pode negar a responsabilidade da aliança federal de governo por uma inflexão à direita nas políticas locais. Ficou difícil a aliança que até um tempo atrás seria "natural": a dos partidos que, do centro até a esquerda (PSDB, PDT, PT), priorizam o social e se distinguem dos herdeiros da ditadura.
Mas não adianta chorar o passado. É preciso perguntar como agir para a frente, e o fato é que a aliança federal tem menos sentido nos Estados e sobretudo nos municípios. A política que se faz em plano nacional, e que se concentra no programa econômico, não é a mesma que se debate no nível mais próximo do vivido, e que exige intensa atuação nas áreas propriamente sociais -educação, saúde, transporte, habitação, cultura.
De 20 ou 30 anos para cá -como legado, entre outras coisas, de maio de 68-, politizou-se a vida cotidiana. Nela, as questões são diferentes das que valem, por exemplo, para o debate econômico. Devemos entender que não é por erro ou ingenuidade que tantas pessoas votam diferentemente nos planos federal, estadual e municipal. É porque as perguntas são distintas.
Assim, hoje é fundamental que as alianças políticas não precisem ser as mesmas nos três planos. As opiniões variam conforme o assunto: o que se acha da privatização não está necessariamente ligado ao que se pensa do social. Priorizar o transporte coletivo independe de se preferir uma empresa de ônibus municipalizada ou particular.
Como, porém, traduzir isso na prática? Esquerda e centro erraram ao acreditar nas chances de seus candidatos à Prefeitura de São Paulo e, mais ainda, ao se ferirem um ao outro, o que só ajuda a direita mais conservadora. Por isso mesmo, se partirmos dos partidos, será difícil chegarmos a um programa comum contra a política anti-social.
Mas há uma saída para que São Paulo, daqui a três anos e meio, eleja uma administração comprometida com o social. Está em duas condições. A primeira é recusar que as alianças federal e estadual devam se repetir, tais e quais, na cidade. Nem São Paulo nem município algum devem se tornar reféns da política nacional de qualquer partido. Não lhes cabe pagar a conta da reeleição, nem a da oposição. As políticas são diferentes, na cidade, no Estado e na União, e isso é natural num país que se organiza de forma federativa.
Segunda condição: se o que une o centro e a esquerda são opções sociais, que a atual gestão nunca adotará, devemos nos esforçar por discutir as idéias, as prioridades que nos unem, e deixar os nomes -e mesmo os seus partidos- para depois. Eles virão quase naturalmente, se apostarmos, como devemos, no debate e na cooperação que permitam chegar a uma convergência de metas. São Paulo não há de ficar condenada a más gestões.

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