São Paulo, terça-feira, 18 de março de 1997
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Casa própria: a vez de todos

PAULO ROBERTO HENRIQUE

A mídia tem publicado inúmeros artigos sobre a aplicação dos recursos do FGTS, hoje única solução existente para minimizar o enorme déficit habitacional do nosso país. Para entender a atual situação da habitação nacional, faz-se necessária uma pequena volta ao passado.
Até 1986, com todas as mazelas já de conhecimento público e com todos os atos de populismo até então praticados, tínhamos no Banco Nacional de Habitação (BNH) um órgão centralizador e definidor de nossas políticas habitacionais e urbanas.
Com a sua extinção e a absorção dos seus espólios pela Caixa Econômica Federal, avolumaram-se os problemas de habitação no nosso Brasil.
Culpa exclusiva da CEF? Logicamente que não. A nação passou a conviver com Ministério da Fazenda, Banco Central, Ministério do Bem-Estar Social e outros organismos completamente alheios ao processo de desenvolvimento urbano brasileiro, mas detentores de poder para interferir de forma significativa na sua gestão.
Com o fim do BNH, o que se vivencia desde então são programas soltos, muitas vezes desarticulados, testados a cada novo governo, sempre se utilizando dos recursos do FGTS, dinheiro do trabalhador, com parcos recursos do Orçamento da União sendo alocados.
Todo o controle da habitação hoje se concentra na Diretoria de Habitação, vinculada à Secretaria de Política Urbana, que, por sua vez, é subordinada ao Ministério do Planejamento e Orçamento.
Mesmo com esse lamentável histórico, o déficit habitacional não cresceu na proporção esperada. Esse fato foi fruto do trabalho de empresas, que tiveram de superar as adversidades dos anos 1990/91, quando, sob os auspícios do governo federal (CEF/MBES), se emprestaram mais recursos do que os existentes e as construtoras tiveram de conviver com um contingenciamento de recursos de 17 meses, atrasando obras, encarecendo habitações.
Contudo, as construtoras se mantiveram firmes em seus compromissos: concluíram a grande maioria das habitações, e estas foram colocadas à disposição dos compradores, mesmo que isso tenha causado, ao contrário do que muito se comenta, o fechamento de várias empresas por esse país.
É, no mínimo, cômodo afirmar que o problema habitacional brasileiro será resolvido exclusivamente com recursos do FGTS e da CEF. E, ainda, que a delegação de poder ao mutuário para que ele escolha o seu imóvel é uma inovação do atual modelo.
Talvez alguns desconheçam que a atividade imobiliária, inclusive a de cunho social, é uma prática tipicamente de mercado, na qual o comprador tem o direito de escolher, dentro da sua capacidade de endividamento, o imóvel que melhor lhe aprouver. Ademais, de que lhe adianta poder escolher se não tem o que escolher?
Hoje, o que tem acontecido no mercado brasileiro é exatamente isso. Inundaram o mercado com "cartas de crédito" sem pleno conhecimento do volume de unidades existentes. A consequência é que existem os recursos para comprar, mas não existem habitações compatíveis.
Burocracia, morosidade, desconhecimento dos novos programas, custas cartoriais elevadas e tantos outros empecilhos são as justificativas para o fraco desempenho dos atuais programas. Sabemos, porém, que a solução dos mesmos não será suficiente para a modificação do atual quadro.
Afirmativas como "a solução para o problema habitacional brasileiro é a autoconstrução"; "algumas dezenas de empreiteiros foram beneficiados"; "o sistema antigo privilegiava o construtor" e "o financiamento direto ao comprador reduz custos" não traduzem a face correta dos fatos.
Procura-se mostrar à sociedade uma realidade às avessas, sem nenhuma definição prática para o problema.
Prorrogações de prazos, queda das taxas de juros, redução na exigência de documentos a serem apresentados são soluções paliativas, que não atingem o cerne da questão.
Torna-se necessária a vontade política dos mandatários para solucionar a crise habitacional brasileira, com menos divulgação na mídia e mais ação concreta.
Todos nós sabemos que a política habitacional significa a implementação de programas factíveis, de fácil execução, de acesso democrático, com o envolvimento de todo o setor produtivo, com a alocação de recursos significativos, internos e externos.
A indústria da construção civil está se mobilizando em todo o país, sob a coordenação da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, para formular um sistema sem limites de faixas, sem excluir nenhum cidadão, que será a tônica do futuro da habitação no Brasil. Sistema Brasileiro de Habitação. Nossa intenção, mais do que nunca, é a de buscar alcançar o objetivo do slogan "casa própria: a vez de todos".

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