São Paulo, terça-feira, 18 de março de 1997 |
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Megaestádio sertanejo 'engole' população
MÁRIO MAGALHÃES
A primeira providência para combater os castigos da seca, avalia o prefeito, seria construir um mercado para os agricultores venderem milho, feijão, mandioca e outros produtos da aridez. Ex-bancário, Silva estima em R$ 200 mil os custos para erguer o mercado. Até agora, porém, inexiste projeto -as energias e finanças do município estão voltadas para outra prioridade: a construção de um estádio de futebol. Com capacidade para 10 mil espectadores, o estádio Dr. Antônio Alves de Lima será capaz de engolir a população inteira de Brejinho e receber mais 2.514 convidados. Seria como um estádio para 13 milhões na cidade de São Paulo. O mais ambicioso projeto da administração municipal sertaneja já consumiu R$ 150 mil. São necessários mais R$ 40 mil, para ampliar a arquibancada e pular dos atuais 3.000 lugares para 10 mil, além de fazer uma quadra de futebol de salão e uma piscina. Os R$ 190 mil destinados ao estádio poriam de pé o mercado público, faltando acabamentos. Genros "Mas o povo pedia futebol", afirma o empresário João Manuel da Silva, dono de quatro fazendas conhecido como "pai", "seu" ou "coronel" João Pedro. O "Pedro" ele herdou do pai, Mané Pedro. A vocação para a política, também. "Coronel" João Pedro foi três vezes prefeito, em períodos intercalados, sempre em partidos no poder federal -Arena, PDS e, agora, PFL. O ano de 1993 ficou marcado em Brejinho não só como o da maior seca da década -12 meses sem chuva-, mas como o do lançamento da pedra fundamental da grande obra do "coronel". Pai de duas filhas e avô de quatro netos, ele inaugurou o estádio, ainda inacabado, em 1995. Deu-lhe o nome de um genro, já morto. No seriado "O Bem Amado", de Dias Gomes, o prefeito de Sucupira, Odorico Paraguaçu, buscava em outra cidade um defunto para inaugurar seu cemitério. João Pedro arrumou uma equipe da vizinhança. Brejinho tem dois times, ambos amadores, mas só o Ceub, apoiado pelo ex-prefeito, pode usar o estádio. O Juventos, identificado pelo "coronel" como oposição, é vetado. Não há clássicos no estádio -um dos times é sempre de fora. Homem de visão Em outubro do ano passado, João Pedro fez novamente o sucessor, o outro genro, Vanderlei da Silva, que hoje se empenha em concluir o "templo" do sogro. O "coronel" se diz um homem de visão, um planejador do futuro. "Estamos fazendo um estádio para cem anos. Será que Brejinho nunca vai crescer, vai ficar toda vida desse tamanho?" Ele refuta acusações de desperdício sobre os muros feitos com duas fileiras de tijolos furados. "São para durar." Contabiliza 3.000 caçambas de terra usada para aterrar o que era um pântano, 200 mil tijolos, 300 horas de trator puxando aterro. "Tudo com verbas próprias, só da prefeitura", se orgulha. Os contatos políticos ajudam. Mesmo sem ter obtido até hoje financiamento para o que seria o primeiro hospital público da cidade -o que existe é filantrópico-, ele obteve na companhia de eletricidade do Estado os seis postes com a iluminação do estádio. É difícil saber se futebol dá voto. Na última eleição, o sogro elegeu o genro com uma diferença de 1.168 votos sobre o candidato do PSB, partido do governador Arraes. Mas a oposição acusou João Pedro de "importar" 2.000 eleitores. "É como no caso do estádio", diz João Pedro. "A oposição só critica. Se eu for pensar nela, não faço mais nada." O ex-prefeito conta, altivo, que o deputado Inocêncio Oliveira (PFL-PE) já visitou o estádio. O líder do PFL na Câmara costuma ser o mais votado em Brejinho, graças ao apoio do "coronel". Tamanho empenho não resulta de paixão ou mínimo entusiasmo de sogro e genro pelo esporte -sem constrangimento, eles revelam indiferença por futebol. "Não gosto porque não entendo", diz o "coronel" João Pedro, 69. "Mas um dia, quem sabe, ainda vou gostar um pouco." Texto Anterior: Reportagem da Folha origina investigação Próximo Texto: Vigia desdenha futebol e só usa rifle para caçar Índice |
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