São Paulo, terça-feira, 18 de março de 1997 |
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Programas trazem três visões do Brasil
FERNANDO DE BARROS E SILVA
A despeito da distância de quase um século que separa a primeira edição de "Os Sertões", de 1902, da obra que Darcy Ribeiro lançou em 95, dois anos antes de morrer, e que considerava o seu "desafio maior", pode-se dizer, sem forçar muito a mão, que existe um fio teórico unindo os documentários. Brasil A ponta mais visível desse fio está na pergunta que Darcy Ribeiro procura responder: "por que o Brasil ainda não deu certo?". Sua resposta, que aparece na conclusão de "O Povo Brasileiro", numa prosa ao mesmo tempo eufórica e lírica sobre o destino do Brasil, é conhecida: "Na verdade das coisas, o que somos é a nova Roma. Uma Roma tardia e tropical. (...) Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra". Não é por acaso que a questão da viabilidade da nação, traduzida em termos da nossa formação mestiça e da nossa herança cultural híbrida, também pontua as obras de Euclides e Gilberto Freyre, mas com os sinais trocados. Racismo científico Desde a extinção do tráfico negreiro, em 1850, até a década de 30 do nosso século, quando o ciclo da imigração européia ainda não estava totalmente concluído, é recorrente na elite brasileira a idéia de que o Brasil seria viável na medida em que se tornasse menos impuro, menos mestiço, -mais branco e europeu, em suma. Esse "racismo científico" encontra em "Os Sertões" um dos seus porta-vozes. Diz Euclides: "Não temos unidade de raça. Não a teremos, talvez, nunca. Predestinamo-nos à formação de uma raça histórica em futuro remoto, se o permitir dilatado tempo de vida nacional autônoma. Invertemos, sob este aspecto, a ordem natural dos fatos. A nossa evolução biológica reclama a garantia da evolução social. Estamos condenados à civilização. Ou progredimos, ou desaparecemos". A importância de Gilberto Freyre, cuja obra-prima que é "Casa Grande & Senzala" aparece em 1933, foi entre outras a de desmontar essa equação, atuando, segundo as palavras de Antonio Candido, como "uma ponte entre o naturalismo dos velhos intérpretes da nossa sociedade (...) e os pontos de vista mais especificamente sociológicos que se imporiam a partir de 1940". Precursor, ao lado de Sérgio Buarque de Holanda, das interpretações modernas do Brasil, inclusive por sua liberdade estilística, que incorpora os avanços da virada de 22, Gilberto Freyre é um desconhecido das novas gerações, sobretudo as que consomem seus dias diante da TV. Hoje à noite seria uma boa ocasião para começar a acertar as contas com esse senhor que ajudou a reinventar o Brasil. Texto Anterior: Coluna Joyce Pascowitch Próximo Texto: Diretor coreano desafia opressão de seu país Índice |
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