São Paulo, quinta-feira, 20 de março de 1997
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A CPI e os bancos

CELSO PINTO

O que levou grandes bancos a comprar papéis estaduais e municipais por uma rentabilidade muito menor do que a da venda inicial? Falta de acesso aos leilões, incompetência ou falcatrua?
O relator da CPI dos precatórios, senador Roberto Requião, parece estar convencido que a razão é falcatrua. Os sócios do Banco Vetor, Ronaldo Ganon e Fábio Nahoum, também insinuaram que grandes bancos e fundos de pensão são elos importantes da armação.
Esta coluna ouviu uma fonte experiente do mercado financeiro, com uma longa convivência com negociações de títulos estaduais e municipais. Wagner Ramos (ex-coordenador da dívida paulista) é um personagem muito conhecido nessa área e atribui-se a ele propostas heterodoxas também na área de negociação de papéis no mercado.
Para essa fonte, a não participação de grandes bancos nos leilões primários de títulos estaduais e municipais é tão tradicional quanto os esquemas de cadeias de ganhos e perdas nas negociações desses papéis no mercado. Por várias razões.
Em vários casos, simplesmente porque os leilões são de cartas marcadas. Cumpre-se o ritual legal. O edital do leilão é publicado, discretamente, mas antes dele já se fez o acerto com a instituição, pequena, que vai comprar os papéis. Essa instituição, por sua vez, já ofereceu os papéis para alguém que vai fazer a compra final, deixando uma generosa margem de lucro no caminho.
Se algum grande banco entrar num leilão desse tipo, não leva. Os secretários da Fazenda têm uma enorme margem de manobra para fixar os critérios de "corte" (o preço pelo qual o papel será vendido) ou de venda. Em um leilão de papéis do setor público, segundo a fonte, um dos maiores bancos do país teria feito a melhor oferta e não conseguiu levar.
Mesmo em leilões honestos os grandes bancos podem preferir não entrar. No passado recente, todos os bancos se sentiram pressionados a melhorar a rentabilidade de seus fundos de investimento, em função do acirramento da concorrência. Uma forma de fazer isso é comprar papéis estaduais ou municipais, que oferecem uma rentabilidade acima da média. Um dos maiores bancos privados, por exemplo, que tinha uma política rígida de nunca comprar esses papéis, mudou de postura recentemente.
Se um desses grandes bancos entrar diretamente num leilão (honesto), contudo, o emissor saberá que a demanda é grande e terá mais margem para vender o papel por uma rentabilidade menor. Se o grande banco usar alguma pequena ou média corretora como intermediária, pode fazer melhor negócio.
O administrador (honesto) da dívida estadual ou municipal, por sua vez, pode ser levado a rejeitar uma oferta de um grande banco num leilão primário, se ela for muito discrepante das outras. Esse é um princípio que o Banco Central segue em seus leilões: rejeitar extremos de preços, para tentar chegar a um preço realista de mercado para os papéis.
Tendo dito isso, parece claro aos especialistas no mercado que algumas operações examinadas pela CPI têm cara de terem sido armadas de uma ponta (a emissão) até a outra (a compra final por um grande banco ou fundo de pensão). Cabe à CPI provar. Não seria uma surpresa terrível para o mercado descobrir algum administrador de banco que aceitou beneficiar um intermediário em troca de algum benefício para si.
Já a cadeia da felicidade de pequenas instituições e vários "laranjas" entre a emissão e a compra final, é algo mais comum do que se pensa e não só no caso desses papéis. Se existe uma armação entre a ponta da compra primária e a da venda final garantindo um lucro substancial, abre-se uma bela oportunidade para operações de "esquenta e esfria" de dinheiro. Como?
Quem tem uma receita de origem não-declarável e quer legalizá-la precisa de um lucro fictício para esquentar seu dinheiro. Quem tem um lucro alto e não quer pagar imposto, precisa de um prejuízo fictício. Na cadeia da felicidade pode-se fabricar lucros e prejuízos à vontade para quem precisa: ou a própria instituição financeira pequena que está fazendo a operação, ou um cliente seu.

E-maill: CelPinto@uol.com.br

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