São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 1997
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A safra agrícola e as mentes em mudança

MAILSON DA NÓBREGA

Nos processos de transição, as novas realidades nem sempre são percebidas de maneira sincronizada. Durante muito tempo, muitos continuam raciocinando com base nos padrões antigos.
Veja-se o caso da agricultura. No padrão antigo, ela dependia, essencialmente, da expansão da fronteira e da atuação do Estado, em especial no crédito (subsidiado) e na comercialização (preços mínimos, estoques reguladores, armazenagem e até no varejo).
Os subsídios e a abundância de fatores -terra e mão-de-obra baratas- propiciavam ares de eficiência ao setor. Daí a idéia de que era o Estado quem desenvolvia a agricultura.
Havia até um mote: "se em todo o mundo a agricultura é subsidiada, aqui também deve ser". Na realidade, confundia-se crédito subsidiado com subsídio à agricultura.
O subsídio via crédito é pouco comum no mundo. Nos países de agricultura bem-sucedida, o apoio oficial deriva, basicamente, de gastos em pesquisa, ensino, assistência técnica, serviços de infra-estrutura e estoques reguladores.
Seja como for, enquanto o Estado pôde cumprir sua parte, o esquema brasileiro deu certo. A agricultura diversificada e grande parte do complexo de atividades que formam o nosso agribusiness devem muito às políticas passadas.
A intervenção era, contudo, insustentável do lado fiscal e socialmente perversa: gerava concentração de renda e desperdício de recursos. Pior: deixou a agricultura dependente de um Estado que caminhava para a falência financeira.
Desde o final dos anos 70, o governo busca administrar a crise no crédito rural via racionamento de seus minguados recursos, criação da caderneta verde e aumento da compulsoriedade de aplicação dos bancos privados, que é gerador de outras distorções.
Nesses anos, muita coisa mudou. Aumentou a percepção da morte das políticas anteriores.
Amadureceu a convicção de que uma agricultura forte depende de gestão eficiente dos recursos, tecnologia e adequada oferta de serviços de informações e infra-estrutura.
O crédito, indispensável, é apenas um componente do processo. Cada vez menos deve ser buscado onde não existe: no Tesouro ou nos bancos oficiais.
O Banco do Brasil, renovado, tem contribuído para os novos tempos (a Cédula do Produto Rural e a captação de recursos externos), embora ainda se reclame dos altos custos de suas operações.
Está nascendo um novo padrão, em que o Estado provê crédito apenas para agricultores de baixa renda e passa a apoiar mais a agricultura em áreas onde ele é insubstituível, nos moldes vigentes noutros países.
Assim, a estabilidade da renda do agricultor deixa de depender de incertos financiamentos governamentais. O desenvolvimento dos mercados futuros e das opções permite que os sinais de preços não mais dependam de burocratas.
Essa revolução, já visível em muitas áreas, ainda não foi notada pelos que continuam presos ao modo antigo de pensar. Para estes, a safra será um desastre sem crédito oficial, armazéns públicos e preços mínimos políticos.
Em outubro passado, os modelos de previsão da MB Associados detectaram que a atual safra de grãos poderia ser de 80 milhões de toneladas.
Dada a excelência de seus trabalhos, sustentei aqui, em 1º de novembro, que os pessimistas estavam sendo desmentidos.
Alguns analistas zombaram das previsões. Sem crédito e com queda da área plantada, diziam, a safra chegaria, com sorte, a 75 milhões de toneladas. Erraram. A safra deverá passar de 81 milhões de toneladas.
A "Revista da Indústria" (Fiesp) de 10 de março de 1997 dedicou seis páginas aos efeitos da safra nas vendas de tratores, máquinas e implementos agrícolas e fertilizantes.
Os entrevistados atribuem os bons resultados aos preços favoráveis (como os de café, soja e laranja), ao fim do ICMS sobre as exportações e a outras mudanças na política agrícola. Ninguém se disse saudoso do crédito oficial subsidiado.
A agricultura ainda sofre as consequências do colapso das políticas do passado, das altas taxas de juros e de uma valorização cambial superior ao aumento da produtividade. Isso tem que mudar, e o caminho é a realização das reformas estruturais.
Tudo indica, entretanto, que ela está vencendo o desafio de viver sem a tutela estatal. Ainda é cedo para afirmações sobre a próxima safra, mas não haverá surpresa se for maior.

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