São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 1997
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Thomas idolatra sua Katharine

ADRIANE GRAU
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM SAN FRANCISCO

A vida de Kristin Scott Thomas parece um conto de fadas. Após uma infância pobre na Inglaterra, ela resolveu colocar o rosto clássico a serviço dos editoriais de moda.
Feliz com o sucesso como modelo, acabou atuando no filme "Under the Cherry Moon", em 1986. "Eu tive sorte, pois tinha exatamente o tipo físico que o diretor queria", diz ela. Filmar "Um Punhado de Pó" em 1988 no Canadá foi fascinante para a então inexperiente Kristin. "Eu era tão ingênua", lembra ela. "Nunca havia ficado num hotel."
O rosto que parece saído de um comercial de cosméticos é o invólucro para um cérebro que não descansa. Com o olhar quase transparente, ela força o interlocutor a aceitar pausas durante as quais ela busca palavras exatas. "Nunca me achei inteligente", afirma ela num cuidadoso sotaque britânico. "Bela, talvez, mas não é o mais importante."
A atriz atualmente se desdobra entre Paris e os Estados Unidos para aproveitar a súbita fama que a indicação para o Oscar lhe deu. No dia 11 de março, por exemplo, ela e Juliette Binoche embarcaram num Concorde pela manhã, compareceram ao almoço dos indicados ao Oscar em Hollywood e voltaram para casa no final da tarde.
Esperando por Kristin em Paris estavam o marido e famoso ginecologista François Olivennes e os dois filhos pequenos. "É impossível", diz ela. "Impossível dizer o que meus filhos representam para mim. Eles são tudo."
Kristin conta que, muito antes de saber que faria o filme, se encantou ao ler o livro "O Paciente Inglês". Foi imediata sua admiração por Katharine Clifton, a personagem que interpreta.
"Tento fazer minha Katharine como a que li no livro, em que ela é como um fantasma do qual as pessoas falam", diz ela. "Ela é um pouco mais cruel no livro, mais crua no seu desejo de vitória emocional", completa.
Após aceitar o papel, ela afirma que conviveu com Katharine durante mais de dois anos, enquanto o projeto não deslanchava.
"Eu sento em algum lugar e fico dissecando o personagem. Pode ser na banheira, por três horas. Aí vem até mim", revela. "É como se tivesse vivido com Katharine durante décadas. Você se envolve tanto com o personagem pessoalmente que passa a se identificar com ele. Na minha cabeça, ela não é mais Katharine. Sou eu mesma, projetando minha personalidade nela. Aí comecei a ensaiar e o diretor me disse o que fazer e o que evitar. Só então me concentrei novamente em fazê-la crescer."
Não é exagero afirmar que Kristin idolatra a Katharine que ela mesma criou. "Você quer vê-la como uma heroína, que passa firmemente por tudo. Não quer que ela seja chorona. Sempre que ela se vê no limite de ser mais emocional, consegue se recompor facilmente", aponta ela.
"Mesmo quando tenta romper com o amante, faz isso com dignidade. Ele diz: 'Ainda não estou sentindo a sua falta', e ela responde: 'Mas você irá' e, quando vai embora, bate com a cabeça no estrado, por acidente. São coisas que fazem a personagem mais humana."
A opção de fazer uma Katharine durona foi consciente. "Quando assisti ao filme, percebi que talvez pudesse ter tentado atrair mais simpatia para a personagem", revela. "Poderia ter feito ela se desmanchar mais. Mas tive medo de receber lágrimas de crocodilo do público. Prefiro as emoções que lhe atingem no estômago. São reações mais autênticas e não apenas lágrimas escorrendo."
Segundo Kristin, a personagem tal qual aparece no livro lhe agrada ainda mais. "Ela e Almasy têm um relacionamento vigorosamente físico. Vivem arranhando e mordendo um ao outro. Há uma cena que eu adorei, mas não está no filme. É quando ela enfia um garfo nas costas dele", afirma a atriz.
A liberdade de recriar Katharine foi, segundo ela, embaraçosa. "Não falei com Michael Ondaatje, que escreveu o livro, nem uma vez antes de fazer o filme", admite.
A elegância da personagem que usa roupas de linho branco e cáqui é um reflexo da idéia que Kristin tem dela. "Eu sempre trabalho junto com o figurinista, que pode ser uma grande fonte de inspiração", afirma ela. "Neste caso, as roupas que usamos são uma representação do período, da mentalidade vigente."
O sucesso do filme abriu várias portas para a atriz, mas ela quer escolher com muito cuidado seu próximo papel. "Tenho uma ampla seleção, mas continuo esperando a oportunidade que me atingirá de vez", diz ela.

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