São Paulo, sábado, 22 de março de 1997
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Willem De Kooning, um artista desabrigado

FÁBIO MIGUEZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se a explosão de Pollock e a dissipação de Rothko já prenunciavam a rapidez com que a arte passaria a se transformar, a longevidade de De Kooning nos mostra que o tempo para um pintor como ele teria que ser estendido ao máximo, em contraste com a urgência com que suas telas eram executadas.
Em sua formação, ele foi fortemente influenciado por Arshile Gorky, pintor que tanto amava, e passou anos exorcizando essa influência. Mas as figuras e espaço que criou nessa época o acompanharam para o resto da vida. De Kooning é conhecido como um dos mestres do expressionismo abstrato, mas para mim ele não era nem tão expressionista nem tão abstrato.
Se é evidente o caráter expressivo de seu trabalho, é também evidente que essa expressão está fortemente tensionada por uma construção espacial cubista, e não acho exagerado dizer que foi ele quem deu plenitude e organicidade pictórica a essa construção.
Abstrato em termos, porque, ao contrário do tachismo europeu -que em muitos casos supunha que a tinta saía autônoma do tubo-, a questão para De Kooning era realizar, em ato, espaços e figuras, em sua maioria femininas, que conquistavam a tela para além de suas bordas, suprimindo ou incorporando o fundo numa espécie de magma pictórico.
O grande momento de De Kooning é a série "Women", do início dos anos 50. A primeira lhe custou pelo menos dois anos de trabalho, o que não é pouco para um artista de ação. E serão as mulheres seu tema mais recorrente. Elas parecem ter metabolizado sua pintura. O modo como ele as dispõe, as escancara e as esmaga sobre a tela corresponde a sua idéia de pintura, feita de construção e destruição, de acréscimos e restos.
A série subsequente, que vai de "Easter Monday", de 1955, a "Pastorale", de 1963 -que é talvez a fase de que mais gosto-, se compõe de grandes espaços feitos de supetão.
A construção sintética dos espaços é a todo momento atualizada e ativada, formando espécies de praças pictóricas.
Seus últimos trabalhos têm uma luminosidade e uma ausência de matéria surpreendentes. E me parecem dignos. Dignos de De Kooning: um artista que sempre esteve pronto a encontrar novas saídas e possibilidades.
Philip Guston conta numa entrevista que Greenberg disse certa vez que alguns artistas -como De Kooning e ele- viviam "desabrigados", e que isso estava longe de ser um elogio. Eles o tomaram como tal.

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