São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Psiquiatria adapta local e põe pais em colchões no chão

NOELLY RUSSO
DA REPORTAGEM LOCAL

A estudante T., 17, foi internada na psiquiatria infantil do HC com quadro depressivo e é acompanha pela mãe, Maria. Ela é um dos casos menos graves do instituto.
Maria confessa que a rotina é difícil: inclui dividir o quarto com a filha e dormir em um colchão no chão, já que o instituto não foi projetado para abrigar acompanhantes. A comida, embora balanceada, "não é a do Albert Einstein".
"T. nasceu no Einstein. Aquilo era um hotel. Mas aqui, por ser um hospital público, até que é bem bom. Sem falar no tratamento mesmo que, acredito, seja o melhor", diz Maria.
A anormalidade na família começou quando Maria e o marido se separaram. Cada irmã foi morar com um dos pais. T. ficou com o pai. Segundo a própria garota, a avó paterna a jogou contra a mãe e a irmã e a afastou de todos. A previsão de alta de T. é otimista. Ela deve passar a Páscoa em casa.
Seus planos são, em ordem de importância, retomar os estudos, abandonados na 1ª série do 2º grau, e voltar a frequentar shoppings centers. "Adoro marcas como M. Officer e Arezzo. Pretendo também voltar a dançar."
Psicose
Um dos casos mais graves da psiquiatria infantil é o de T., 16.
Ela está internada com psicose grave. Psicose é o nome genérico que se aplica a doenças mentais graves. A pessoa pode ter alucinações e adotar comportamento agressivo. É o caso de T.
Ela foi encaminhada ao instituto pelo S.O.S. Criança e está sendo acompanhada por uma funcionária 24 horas por dia.
T. se automutilou. Ela arrancou a falange de um seus dedos da mão direita a dentadas. Sua mão está enfaixada e ela permanece todo o tempo sob medicação. Não há previsão de alta.
A reportagem da Folha pôde vê-la, mas a garota não apresentava condições de contar o que a fez se auto-agredir.
A resposta foi obtida junto ao S.O.S. Criança. T. foi enviada à entidade por ordem judicial depois que foi apurado que o pai dela praticava atos libidinosos com a menina. Entre esses atos, estava a prática de introduzir objetos e os dedos na vagina da garota.
"T. ficou no S.O.S. quatro meses antes de conseguirmos a vaga no HC. Ter conseguido a vaga foi uma vitória. Mas é só uma gota em um oceano de problemas", diz Paulo Sapienza, diretor do S.O.S.
"O que vai acontecer a ela quando receber alta? Vamos colocá-la em uma instituição. Ela não tem condições de voltar a viver com a família. Como T., há muitos outros casos e cada vez é mais difícil encontrar vagas em instituições, principalmente para garotos de rua. Algumas exigem documentos. Garoto de rua tem documento?"
Cliente popular
Um dos clientes mais populares da brinquedoteca da Psiquiatria Infantil do HC é H., 8. Ele é um autista, ou seja, sofre de uma síndrome que o faz viver em um mundo criado por ele mesmo.
O grau de sua doença, no entanto, permite que ele se comunique com as outras pessoas.
Segundo Ligia Helena Pagan, responsável pela brinquedoteca, no início, H. era agressivo. "Aos poucos foi se acalmando, mas na presença de estranhos pode mostrar comportamento diferente."
Durante o tempo em que a reportagem da Folha esteve no instituto, H. ficou arredio e balançou um boneco do personagem Fofão.
"A primeira vez que H. veio à brinquedoteca, parou na porta, olhou tudo cuidadosamente e disse: 'Gostoso!'."

Texto Anterior: Principais doenças mentais em crianças
Próximo Texto: Rotina inclui "acampamento" no quarto
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.