São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 1997
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Brown, turcos e Ben Jor preguiçoso

LUIZ CAVERSAN
EM SALVADOR

Depois de três noites de timbales, tambores, pandeiros, berimbaus e um monte de instrumentos com nomes estranhos, a conclusão é inevitável: percussão no Brasil é sinônimo de Carlinhos Brown, o múltiplo.
A quarta edição do Percpan, que mobilizou a cidade do batuque em torno do bater de tambores vindos dos lugares mais longíquos do planeta (como Bali e Turquia), confirmou a predominância de Brown, revelou surpresas interessantes, confrontou estilos antagônicos e apontou direções para os próximos eventos (como a necessidade de um diretor musical).
Primeiro é dever registrar a frustração que causou a ausência, na segunda noite, do sapateador americano Savion Glover, que só chegou para o encerramento do evento, no sábado.
Depois é importante notar que a proposta básica do evento comandado por Naná Vasconcelos e Gilberto Gil foi mantida, na medida em que se contrapôs o tradicional ao contemporâneo, fazendo juz ao título "Modernas Tradições".
Teve ainda Caetano, Gil ao violão elétrico, resgatando de anos atrás "Beleza Pura", perfeitamente arejada pelo batuque beleza das meninas do grupo de percussão Didá. Um luxo. E, ainda no quesito tradição, é preciso, mesmo que a contragosto, incluir Jorge Benjor.
Não se sabe se por preguiça ou falta de inspiração, Benjor se deu ao trabalho de apenas excluir teclados e sopro de sua banda de sempre para, apoiado numa percussão simples e comportada, repetir seus sucessos antigos, de "Fio Maravilha" a "W/Brasil". O público gostou porque foi Benjor, mas nada a ver com um festival de percussão. Decepcionante.
A tradição veio vestida de roupas muito elegantes e vistosas e se exibiu ao som singelo e inusitado do grupo de Bali, Bharata Muni, em momentos de introspecção ritualísticas. E ainda num dos melhores shows do festival, que foi o perpetrado pelo pessoal da Turquia.
Todos exímios instrumentistas, conquistaram público, críticos e músicos com o virtuosismo das execuções e com a beleza dos sons que extraíam de instrumentos cuja percussividade lembrava muito a de brasileiros, mas em concepção totalmente exótica aos ouvidos ocidentais. Três grupos como esse e o Percpan seria inesquecível.
Outra atração que gerou muita expectativa frustrada foi o grupo de jongo da Serrinha, morro do Rio de Janeiro. O jongo, um ritmo que foi trazido da África pelos escravos, é considerado um antepassado do samba e sobrevive apenas por conta da persistência desses músicos.
Mas aparentemente tem seus dias contados, se eles insistirem em utilizar instrumentos eletrificados e manter uma vocalista com mania de Whitney Houston e que canta, no final do show, trechos do Hino Nacional e de "O Guarani"!
Só para registrar, do grupo porto-riquenho, nada mais ficará do que a lembrança de tumbadoras bem tocadas. Por isso, resta mesmo é a performance de Brown, por ele intitulada "Z Canudoz", uma referência a Antonio Conselheiro e seus rebeldes.
Aliás, a rebeldia continua sendo a marca registrada de Brown. Rebelde até com ele mesmo, já que em sua apresentação ele atirava tambores ao alto, segundo disse, para permitir que, ao cair, ele criassem sons imprevisíveis e independentes de quem estivesse tocando. Só ele mesmo.

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