São Paulo, terça-feira, 25 de março de 1997
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Vespeiro

ANDRÉ LARA RESENDE

Dinheiro e campanha eleitoral são indissociáveis. Sempre o foram, é verdade, mas hoje, mais do que nunca. A televisão e o "marketing", presenças decisivas em todas as esferas da vida moderna, não teriam como poupar exclusivamente a política.
O resultado é que os custos de campanha sobem vertiginosamente. Não apenas aqui, mas em toda parte.
Discute-se hoje nos Estados Unidos uma proposta de reformulação do sistema de financiamento de campanha. O objetivo é reduzir o que o cidadão americano percebe como despesas extravagantes e fora de controle.
Tem-se a impressão de que os políticos gastam a maior parte de seu tempo preocupados em levantar fundos; o trabalho para o qual foram eleitos fica, quando muito, para as horas vagas.
A questão não é simples. Se os fundos são levantados por meio de doações privadas, como nos Estados Unidos, há sempre a suspeita de que os grandes doadores estão comprando influência. A alternativa, alocar recursos públicos para os partidos, como é o caso para a maior parte dos países europeus, não parece isenta de problemas.
O dinheiro público não anda abundante em parte alguma, e os contribuintes tendem a achar que há melhor utilização dos seus recursos do que entregá-los à direção dos partidos políticos.
O financiamento público não foi capaz de garantir a transparência e a seriedade do processo eleitoral em países como a Itália, a Bélgica, a Espanha e o Japão, todos vítimas de escândalos de corrupção associados ao financiamento de campanha. Segundo a "The Economist", entretanto, se com recursos públicos os políticos eram obcecados por financiamento, sem ele tornaram-se ainda mais. A Itália, por exemplo, depois de ter abolido o financiamento público em 93, após o colapso da velha elite política envolvida em toda sorte de corrupção, resolveu reintroduzi-lo no ano passado.
Por aqui, o tema nunca mereceu a atenção devida. Melhor não mexer nesse vespeiro, parecia ser o consenso entre os que tentaram examinar a questão. Pois é hora de fazê-lo. A CPI dos títulos públicos já está em pleno vespeiro.
Qualquer um, com um mínimo de noção dos custos envolvidos, sabe que os valores gastos nas campanhas são incompatíveis com os recursos dos candidatos. Até recentemente as doações só podiam ser feitas para os partidos. As campanhas eram financiadas por doações clandestinas, ou com recursos advindos de caixinhas políticas, acumuladas por meio da venda de favores e da cobrança de comissões.
O extraordinário é que a caixinha política não era necessariamente percebida como moralmente condenável. Ou, pelo menos, não tão condenável como a corrupção para consumo próprio.
Cobrar comissões para a caixinha do chefe político e seus aliados era algo que podia ser feito sem enrubescer. Afinal, é praxe e o fim é nobre, argumentava-se com a cara limpa.
É hora de estabelecer um limite -realista e não hipócrita- sobre os gastos permitidos em campanha; exigir transparência e punir, de forma rigorosa e imediata, os excessos por meio de um órgão especificamente criado para isso. É hora de alocar recursos públicos para os partidos e permitir doações realistas dedutíveis do Imposto de Renda. Teremos criado o sistema eleitoral justo e imune à corrupção? É claro que não, mas teremos dado um passo extraordinário no sentido de moralizar e valorizar a vida pública.

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