São Paulo, sexta-feira, 28 de março de 1997
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A bicicleta do BC caiu

CELSO PINTO

O mercado já não tem dúvidas de que, se o Banco Central não está preocupado com o tamanho do déficit da balança comercial, outros membros da equipe econômica e o próprio presidente FHC estão. Voltamos aos tempos em que o governo estava rachado em relação ao comportamento da área externa e o presidente funcionava como árbitro.
Tomadas as medidas de restrição às importações na terça-feira, o mercado quer decifrar, agora, se também a política cambial vai mudar. Nos últimos dez dias, na prática, ela mudou.
Desde que o BC anunciou dia 17 uma nova minibanda cambial com um reajuste de 0,3%, o maior desde 95, dois fatos importantes aconteceram. Pela primeira vez a cotação do real frente ao dólar encostou no teto da minibanda e o BC não fez nada para tirá-lo de lá. Além disso, aumentou a saída de dólares: há um saldo negativo de US$ 800 milhões no câmbio flutuante e um saldo positivo (até terça) de apenas US$ 87 milhões no câmbio comercial. Ou seja, pode haver nova perda de reservas cambiais neste mês.
Se o BC imaginou que, ao fazer um reajuste mais forte, de 0,3%, estimularia os exportadores a apressarem o fechamento de câmbio, errou redondamente. Desde o dia do anúncio, o câmbio comercial (exportações menos importações) fechou no vermelho. Ao mesmo tempo, acelerou a saída de dólares mais especulativos pelo câmbio flutuante. Em outras palavras, aumentou a incerteza.
A insegurança cresceu mais ainda pelo comportamento do BC no mercado. Ao deixar o real bater no teto da minibanda, o BC mudou sua prática. O mercado se inquietou e consultou o próprio BC. Segundo um "dealer" (uma das poucas instituições que operam em nome do BC no mercado) disse a esta coluna, o BC assegurou, há pouco mais de uma semana, que iria, na última quarta-feira ou na próxima segunda-feira, empurrar a cotação para o piso da banda.
O aviso é inusitado. A reação, previsível, foi os bancos apostarem pesado no mercado futuro que o dólar fecharia o mês dentro da faixa habitual de desvalorização entre 0,6% e 0,7%. Só que, até quarta-feira, o BC não entrou no mercado.
Se não o fizer até segunda-feira, ou se anunciar uma nova minibanda sancionando a cotação atual (encostada no teto da minibanda atual), a desvalorização do real frente ao dólar em março poderá ficar entre 0,9% e 0,95%. O BC teria acelerado a desvalorização.
O BC pode alegar que está apenas sancionando um movimento de mercado. Como nos últimos dez dias saiu muito mais dólar do que entrou, é natural que haja uma pressão para a desvalorização do real frente ao dólar. Só que, na vida real, no último ano e meio o BC jamais respeitou as forças do mercado: como entrou muito mais dólar do que saiu, ele entrou sistematicamente comprando dólar para forçar uma desvalorização do real.
O BC ainda pode, na última hora, usar duas entradas de dólares que está segurando (segundo o mercado são US$ 200 milhões da Petrobrás e US$ 300 milhões da Telebrás) para fazer a cotação recuar.
Se não o fizer e a desvalorização ficar mesmo acima de 0,9%, a saída de dólares poderá crescer. Considerando esse reajuste, mais o que está projetando o mercado futuro para abril, em 60 dias uma aplicação em dólares feita no Brasil renderia apenas 6,5% ao ano. A isso se somaria a redução na entrada de dólares em função da exigência, anunciada terça-feira, de pagamento à vista de importações financiadas a menos de 360 dias.
A conclusão é que a bicicleta do BC caiu. Pouco tempo depois de inventar a teoria de que não importa o déficit comercial desde que ele seja generosamente financiado (como uma bicicleta que se pedala sem parar), o próprio BC afetou as importações que eram financiadas a menos de 360 dias e que representam 65% do total (25% é à vista e 10% a mais de 360 dias).
Como o BC já piscou uma vez adotando medidas administrativas, todo o mercado ficará monitorando o impacto das mudanças e esperando novas medidas se os números não melhorarem. Ao mesmo tempo, todos estão com o olho vidrado para ver se o BC também vai piscar na área cambial.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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