São Paulo, sábado, 29 de março de 1997 |
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O escritor Nikos Kazantzákis busca a nova face de Deus em "Ascese"
JOSÉ GERALDO COUTO
O livro, escrito em 1926 e editado em livro só em 1945, chega agora ao Brasil em primorosa tradução direta do grego por José Paulo Paes, também autor de uma esclarecedora introdução. Inspirado -como nos mostra Paes- pelo niilismo de Górgias, pelo conceito de "élan vital" de Henri Bergson e pelo dionisismo de Friedrich Nietzsche, Kazantzákis acaba por criar, em "Ascese", uma nova e extremamente pessoal concepção das relações entre o homem e a espiritualidade. Para o escritor cretense -conhecido por romances como "Zorba, o Grego" e "A Última Tentação de Cristo"-, não existe um Deus fora e acima da humanidade e da natureza. Deus, diz ele, é uma força (ou um sopro, ou um grito, pois todas as metáforas são imperfeitas) em permanente construção por todos e cada um dos indivíduos. Existem, segundo Kazantzákis, dois caminhos contrários permanentemente diante do homem e de todos os seres do universo: uma força ascendente, que aponta para a síntese, a vida, o espírito; e uma força descendente, que aponta para a dissolução, a matéria, a morte. Desbravar diariamente o caminho que ascende é ajudar a Deus em sua luta para existir e libertar-se. "Ao lutar com o mundo visível que nos circunda e ao submetê-lo, não libertamos Deus apenas: nós o criamos." Exercício Nessa tarefa, que Kazantzákis descreve com todas as tintas de uma guerra sangrenta, é preciso submeter-se a uma certa disciplina e seguir uns tantos passos. É essa a "ascese" (exercício) que o autor propõe. Seria impossível resumir aqui os passos dessa jornada, não só pela sutileza e complexidade da argumentação de Kazantzákis, mas principalmente pela qualidade poética da prosa em que está modelada. Conseguir verter para o português essa dicção elevada, modulada em parágrafos curtos que remetem aos versículos bíblicos, é uma proeza de que só é capaz um poeta sensível e experiente como José Paulo Paes. Pode-se discutir pontualmente as concepções de Kazantzákis -sua ambígua defesa da guerra, o papel subordinado que reserva à mulher-, mas não o vigor visionário de seu canto. Numa época em que todos parecem empenhados unicamente em cercar-se de lixo industrial e adorar o próprio umbigo, é um alento poder ouvir uma voz que diz: "Sou uma criatura fraca e efêmera, feita de barro e sonhos. Mas sinto em mim o turbilhonar de todas as forças do Universo. Antes de ser despedaçado, quero ter um instante para abrir os olhos e ver." Livro: Ascese - Os Salvadores de Deus Autor: Nikos Kazantzákis Tradução: José Paulo Paes Preço: R$ 13,90 (150 páginas) Texto Anterior: CRONOLOGIA Próximo Texto: Eliot Weinberger faz crítica sem a poluição do jargão pseudotécnico Índice |
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