São Paulo, domingo, 30 de março de 1997
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Previdência: em busca do equilíbrio

REINHOLD STEPHANES

Em cada 100 pessoas, apenas 13 se beneficiam da aposentadoria por tempo de serviço. E isso seria suficiente para indicar que há algo injusto no sistema previdenciário, se não fosse outro dado mais importante: no total, esse grupo consome 32% da receita previdenciária, se aposenta mais cedo e contribui menos.
Ou seja, quem ganha menos está financiando a aposentadoria dos que ganham mais. Se uma distribuição de renda perversa ocorre entre os segurados do INSS -que abrange 90% da população previdenciária-, ela é ainda maior quando analisamos as regras dos demais regimes.
A aposentadoria por tempo de serviço tornou-se uma maneira de garantir aposentadorias precoces para os segmentos de mais alto poder aquisitivo. Até porque os trabalhadores de baixa renda -com dificuldade de inserção no mercado de trabalho- permanecem períodos na informalidade, o que impede a comprovação do tempo de contribuição junto ao INSS.
No ano passado, as aposentadorias urbanas por idade (aos 65 anos para o homem e aos 60 para a mulher) foram concedidas para pessoas, em média, na faixa dos 62,7 anos. Enquanto isso, as aposentadorias urbanas por tempo de serviço foram concedidas para pessoas, em média, na faixa de 49,4 anos.
No regime do servidor público civil federal, por exemplo, tornou-se mais vantajoso estar aposentado, mas isso não significa que ele se aposente bem, e sim precocemente.
A idade média de aposentadoria voluntária, com proventos integrais, é de 56,6 anos, e, nos casos em que os proventos são proporcionais, 41,3% têm até 50 anos. Leis especiais chegam a permitir que o servidor se aposente a partir dos 37 anos de idade.
O resultado é que caminhamos para ter mais servidores aposentados do que trabalhando, e, em algumas categorias de determinados regimes, com rendimentos bem melhores, já existe um número de inativos bem superior ao de ativos. Mantida a média de pedidos de aposentadoria, de 18 mil ao ano no período 1992-1996, o número de ativos e inativos será igual até o ano 2000.
Também não é fácil explicar a quem contribuiu ao longo da vida, para ter direito a um benefício de um salário mínimo ou um pouco mais, que ele não só paga a conta dos que se aposentam precocemente como também a dos que recebem altas aposentadorias, algumas até milionárias.
Os benefícios do Legislativo e do Judiciário, que se baseiam em regras próprias, atingem, por exemplo, o valor médio de 36 salários por mês, correspondente ao que a maioria dos segurados do INSS vai ganhar em três anos. Ainda encontramos outras situações em que os benefícios podem variar de 50 a 200 salários mínimos.
Não somos contra os que ganham altos valores, mas desde que sejam atrelados à correspondente contribuição, o que não ocorre na maior parte das vezes. Ou seja, os que ganham menos estão pagando a conta dos que ganham mais.
A falta de compensação atuarial e a generosidade com que o sistema -formado por três grandes regimes e centenas de critérios especiais, incluindo Estados e municípios- foi construído ao longo dos anos podem comprometer seriamente o futuro da Previdência.
Até mesmo os regimes complementares -criados nos anos 70- apresentam desequilíbrio, que, a médio prazo, precisa ser corrigido. Na maioria dos casos dos fundos de pensão patrocinados por empresas estatais federais, o nível de capitalização é insuficiente, porque não existe limite de idade adequado para a concessão de benefícios.
No INSS, que abrange 90% da população previdenciária, as perspectivas são mais alentadoras, porque adotamos um novo modelo de gerenciamento, dando prioridade à racionalização na concessão de benefícios, e melhoramos os mecanismos de arrecadação, identificando melhor e de forma mais rápida erros e fraudes.
Essas ações, no entanto, se esgotam na medida em que o número de beneficiários aumenta em média 6% ao ano, e a entrada de novos contribuintes está em torno de 2,7%.
Sem isso, como prosseguir com a política de recuperação do poder aquisitivo dos benefícios?
A proposta de reforma levada ao Congresso Nacional propõe um sistema mais justo, aliás, seguindo a tendência universal, mantendo um regime para os trabalhadores do setor privado (celetistas ou do INSS); um regime para os militares e um regime para os servidores públicos civis.
Assim, será vedada a possibilidade de Estados e municípios legislarem sobre previdência, sendo criado um sistema universal para todos, eliminando de forma geral as aposentadorias por leis especiais.
O país precisa refletir sobre essas e outras distorções, que desequilibram o sistema previdenciário. A diversidade de critérios para obter um benefício seria boa se fosse justa, mas não é possível construir um Brasil melhor mantendo a desigualdade. A concentração de renda impede qualquer desenvolvimento social, e, além disso, a boa doutrina exige que se obedeçam os princípios da solidariedade e da equidade.

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