São Paulo, domingo, 30 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A Páscoa e a fraternidade

RAIMUNDO DAMASCENO ASSIS

A caminhada quaresmal nos conduziu à Páscoa de Jesus, vivida há 2.000 anos, mas que, hoje, deve tornar-se nossa Páscoa.
Há 34 anos, a igreja no Brasil lança durante a Quaresma -período de preparação para a celebração do mistério pascal de Cristo- a Campanha da Fraternidade.
O tema da campanha, cada ano, é uma interpelação à consciência pessoal e coletiva sobre um aspecto da fraternidade que deve ser melhor vivido por nós, a fim de contribuirmos para a construção de uma sociedade justa, por meio da atuação de acordo com os valores cristãos na transformação social, econômica e política do país.
Neste ano, o tema da Campanha da Fraternidade enfrentou uma das mais graves chagas sociais do Brasil: o sistema penitenciário, caracterizado por superpopulação, corrupção, violência, ociosidade e descaso a que estão submetidos os presos.
O mais grave, porém, é a constatação de que a maioria de nossas cadeias e penitenciárias afastou para longe do seu horizonte o propósito de recuperação, educação e ressocialização do detento.
A escolha do tema -"A Fraternidade e os Encarcerados"-, diga-se de passagem, tão bem acolhido pelos meios de comunicação e pela sociedade em geral, não foi selecionado ao acaso, mas em sintonia com o Projeto de Evangelização da Igreja no Brasil Rumo ao Novo Milênio.
Esse projeto prevê para 1997, na linha do serviço, uma das quatro exigências da evangelização, uma maior conscientização dos direitos civis: o direito à vida desde a concepção até o seu término natural, à integridade física, à liberdade e à igualdade perante a lei.
O lema "Cristo liberta de todas as prisões" nos diz que a ação salvadora de Cristo deve chegar a todas as pessoas, e que, para além do confinamento no espaço físico de cada presídio, há outras formas de prisão, das quais muitas vezes não nos apercebemos e que são geradoras de injustiça, marginalização e, portanto, de violência e de crimes pelos quais somos também corresponsáveis.
Terminou a Quaresma, chegou a Páscoa, mas a interpelação da Campanha da Fraternidade feita a cada um de nós neste período do tempo litúrgico, para nos libertarmos de todas as prisões, da prisão desenfreada do ter, da busca exagerada do prazer e do abuso do poder deve perdurar sempre e produzir frutos de transformação em nossa vida.
Seu apelo para superar a violência, a injustiça, o desrespeito à dignidade da pessoa humana, o ódio e o desejo de vingança, para podermos construir a civilização do amor a Deus e ao nosso semelhante deve continuar ressoando em nosso coração endurecido e petrificado e nos levar a uma ação transformadora da sociedade.
Estamos no primeiro ano do triênio de preparação para a celebração dos 2.000 anos do nascimento de Cristo, e a igreja convida a todos, em especial aos cristãos, a fazer um exame de consciência sobre a responsabilidade nas graves formas de injustiça e marginalização social presentes no mundo de hoje.
Para que a preparação e a celebração do jubileu sejam uma nova primavera pessoal e comunitária é necessário o compromisso de todos e de cada um com a defesa e a promoção da justiça e da paz, em nosso país e no mundo.
É Páscoa! Celebramos o acontecimento mais transcendente da história humana. Deixemo-nos contagiar pelo dinamismo, pela energia vital que brota do Cristo ressuscitado. Vençamos com a força do Espírito Santo, fruto da ressurreição, o comodismo e o conformismo com o que somos e fazemos e empenhemo-nos na construção de uma sociedade sem violência e sem vingança, sem vítimas, sem presos e sem prisões. Uma sociedade reconciliada e segura.
Cristo ressuscitado caminha à nossa frente e nos dá força para nunca desanimarmos. "Coragem, Eu venci o mundo" (Jó 16,33).

Texto Anterior: Rússia, saúde e o Matias
Próximo Texto: Previdência: em busca do equilíbrio
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.