São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 1997
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Sem-terra comem até cobra e raposa

OSCAR RÖCKER NETTO
ENVIADO ESPECIAL A JOÃO PINHEIRO

A falta de infra-estrutura gera riscos extras à saúde dos sem-terra que participam da Marcha Nacional pela Reforma Agrária, Emprego e Justiça, promovida pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
No grupo que partiu de Governador Valadares (MG) não há remédios suficientes para tratar dos problemas mais corriqueiros, como inflamações, mal-estar, diarréia e resfriado.
"Temos pelo menos dois casos de diarréia por dia e só restam uns 40 comprimidos de Imosec (medicação contra o problema)", disse Cleomar Brasil, 49, enfermeiro e coordenador da farmácia do grupo. "As doações estão bem menores do que esperávamos."
À falta de medicamentos se soma as dificuldades de acampamento. Eles pernoitaram somente seis vezes em ginásios de cidades nos 43 dias que já dura a caminhada até Brasília. No restante do tempo, o acampamento foi erguido à beira da estrada.
A lona das barracas está toda furada e não protege os sem-terra de chuvas e do relento. "A incidência de resfriado é de 100%", disse Brasil, que atende a cerca de 40 pessoas todos os dias.
"Simplesmente não temos medicamento para atender todo mundo", afirmou Valdeni Fagundes Ferraz, 27, um dos coordenadores da caminhada.
No início da marcha, o grupo de Governador Valadares enfrentou quatro dias seguidos de chuva sem proteção alguma. Depois disso, os organizadores providenciaram capas de chuva. Mas pelo menos 60 sem-terra foram parar no hospital.
Os bichos também rondam de perto os agricultores.
Na sexta-feira passada, próximo a João Pinheiro (MG) -a 340 km de Brasília-, eles mataram uma cobra cascavel (venenosa) que rondava as barracas. Foi a terceira da espécie ao longo da caminhada. Não há soro antiofídico no grupo. Uma jibóia, morta pelo grupo dias antes, virou refeição.
A panela também foi o destino de uma raposa que atravessou o caminho dos sem-terra na Sexta-Feira da Paixão. Morta a pauladas, a raposa foi fritada em óleo e foi o prato principal do grupo que carneou o animal.
Placebo
O problema da falta de remédios levou a farmácia da marcha a improvisar. Cleomar Brasil conta que vem usando com sucesso, segundo ele, o expediente de usar placebo.
"É uma medicação psicológica. Já apliquei injeção de água bidestilada dizendo que era remédio." Brasil diz que todos os casos de dores estão sendo tratados dessa forma.
Outro expediente é usar remédios naturais. Há na farmácia um barro, tido como medicinal, usado como regenerador de tecidos e antibiótico natural nos casos de ferimentos. O barro é passado sobre os ferimentos e também é comido.
Há ainda uma espécie de chá de vesícula de paca, usado como cicatrizante, e inúmeras folhas e raízes.

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