São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 1997
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'Nada melhor do que o tempo'

DA REPORTAGEM LOCAL

Dorothea Werneck fala sobre sua demissão do governo, investimentos no Brasil e sua conhecida capacidade de negociação:
*
Folha - A sra. deixou o governo de uma forma dramática. Ficou magoada com seus amigos no governo?
Dorothea - Nada melhor do que o tempo. Você tem toda a razão, houve um lado dramático. Agora, também houve outro lado: foi uma saída inusitada, com a manifestação dos funcionários pedindo que eu ficasse.
Segundo, o presidente Fernando Henrique foi lá em casa e conversamos por duas horas. Eu até esqueci de oferecer água. Ficamos conversando duas horas sem água, sem café. Falamos tudo o que tínhamos que falar.
E houve outra coisa estranha, que me deixou muito feliz. Um almoço de despedida no Palácio do Jaburu, a convite do vice-presidente Marco Maciel.
Eu achei muito estranho: em que outro lugar do mundo o vice-presidente faz um almoço de homenagem para um ministro demitido?
E no meu aniversário, o presidente me telefonou pessoalmente em Santiago e me deixou um recado na minha secretária eletrônica.
Então, conseguimos recuperar esse lado sem raiva, sem mágoa. Obviamente, o ministro é demissível a qualquer momento.
O que foi absolutamente tétrico foi a forma como a demissão foi feita. E isso foi atenuado pelas atitudes pessoais do presidente, do vice, dos ministros.
Folha - A sra. acha que o nível de investimentos no Brasil continua baixo mesmo depois do Real?
Dorothea - As reformas são importantes para o país, mas existe outra questão chave, decisiva para o crescimento. Ou se retoma a taxa de investimento para um nível altíssimo ou não teremos nada.
Vou citar um número concreto. Quando o país cresceu a uma taxa média de 7,5% ao ano entre 1945 e 81, a nossa taxa de investimento era de 25% do PIB (Produto Interno Bruto).
A taxa baixou para 14% no meio da crise dos anos 80. Agora, recuperamos para cerca de 20%, mas precisamos fazer um esforço brutal para voltar para os 25%.
Na Coréia, a taxa é 38%; no Chile, 30%.
Mas a situação não é mais como foi no pós-guerra, quando boa parte do investimento era poupança pública. Agora, tem que ser investimento privado.
Folha - Por que a sra. acha que foi convidada para montar o banco de investimentos do Excel?
Dorothea - Essa é uma pergunta difícil de responder. Nem me caberia responder. Mas acho que foi importante o fato de a minha experiência ter sido sempre nessa área de economia do trabalho e economia industrial, desde 1981.
Na época em que estava no Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, uma das nossas prioridades foi a expansão dos investimentos, por meio da captação de investimento estrangeiro.
Um exemplo disso foi quando montamos o programa automotivo. Só aí são US$ 30 bilhões de investimento no Brasil, uma das alegrias da minha vida.
Folha - Então, a sra. não acha que vir trabalhar em um banco represente uma descontinuidade na sua carreira, ligada até agora ao setor industrial?
Dorothea - Eu jamais faria isso. Tudo o que fiz, desde 1965, quando comecei a trabalhar, até hoje, tem uma coerência e tem uma regra básica: só me meto em áreas que conheço. Para mim, a base técnica é a chave.
Folha - Mas essa é sua primeira experiência em banco e segunda passagem pelo setor privado?
Dorothea - Sim. Mas trabalhei com o setor privado o tempo inteiro. Além disso, toda minha experiência foi montada em cima de parceria e de trabalho em equipe.
E obviamente na equipe do banco vou ter gente especialista em mercado de capitais. Então, vamos trabalhar em equipe, com experiência dos dois lados.
Folha - Muitas pessoas que conviveram com a sra. elogiam sua capacidade de negociação, de facilidade de relacionamento. A sra. acha que foi contratada também como uma espécie de relações-públicas do banco, que é muito ousado em termos de marketing?
Dorothea - Se eu não fosse boa nessas áreas, não teriam me contratado. Mas também não me contratariam só porque sou boa em lidar com pessoas.
Se alguém precisa lidar com fundos externos, com empresários, com investidores e não tem facilidade de comunicação, não tem condições de liderar um banco.

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