São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Treinadores não devem ser reféns do passado

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Pode-se dizer, sem medo de errar, que o clássico foi decidido graças a um lance de pura individualidade, a conjunção perfeita de reflexos apurados, percepção clara da jogada, um tiquinho da indispensável malandragem e a exatidão no toque cirúrgico de Viola, que apenas tirou a gravidade da bola, fazendo-a alçar-se além das possibilidades de Rogério, por sinal, mal colocado.
Mas também se pode dizer, com igual certeza, que houve falha do sistema, e Falcão, na Globo, deixou isso bem claro: o zagueiro tricolor -creio que Bordón-, ao invés de sair para o combate a Viola, recuou, oferecendo-lhe tempo e espaço para engendrar e executar a jogada fatal.
Ora, no sistema que prevê a presença do líbero, como o adotado por Muricy, técnico do São Paulo, no jogo de sábado à noite contra o Palmeiras, pressupõe-se a marcação homem a homem dos demais zagueiros. Por isso, aquele beque que sobra -com liberdade, inclusive, para atacar- é chamado de líbero, em italiano. Tradução: está livre da marcação individual, para fazer as coberturas dos dois lados.
Acontece que, no Brasil, desde tempos imemoriais, marca-se por zona. Resultado: não há como enfiar na cabeça do nosso jogador que ele deve obedecer cegamente tais instruções -a não ser muito eventual e especificamente (caso recente de Gilmar em Djalminha). Assim, o líbero, como Válber no sábado, não é líbero coisa alguma. É apenas mais um zagueiro.
O que significa perda irreparável na criação de meio-campo, que Muricy coalhou de médios de contenção (Axel, Edimilson e Belletti).
Tanto, que, quando Válber, no segundo tempo, passou a atuar quase na meia, o tricolor encetou uma blitz sobre o arco de Marcelo que só não lhe permitiu chegar ao empate por capricho dos deuses. Ou como castigo pelo pecado original.
*
Claro que o Palmeiras se ressentiu da ausência de Djalminha. Menos pelo valor individual do craque e muito mais porque sua substituição por Marquinhos representa mudança no esquema: o Palmeiras, que vem ponteando o campeonato com um meio-campo composto por dois médios (Galeano e Leandro) e dois meias (Djalminha e Rincón), com Marquinhos, reduz o poder de criação. E aí está o Corinthians a comprovar que essa história de excesso de marcação no meio-campo é pra inglês ver, literalmente.
No meio-de-semana, atuando com apenas um volante de marcação típico -Gilmar- contra três do Atlético Mineiro, deu um show. Sábado, diante do Botafogo, se não ofereceu um espetáculo deslumbrante, ganhou de 2 a 0 e poderia ter dobrado o placar, caso Túlio não desperdiçasse duas chances de ouro.
Resumindo: está na hora de nossos treinadores deixarem de ser reféns de um tempo que já acabou.
*
A jovem desvia seus grandes olhos verdes da TV enquanto a bola rola. Trauma de infância, me explica: quando pequenina, não conseguia dormir à noite, ouvindo o rumor da torcida no Maracanã -Mengo, mengo! Soava-lhe como um cântico de invocar fantasmas.

Texto Anterior: Jacques Villeneuve erra, mas vence GP
Próximo Texto: Bandoneón e Viola
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.