São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 1997
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brincando de deus, a revolução baiana

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Existem alguns caminhos para uma banda dar certo na cena pop brasileira.
O primeiro, mais óbvio, é conseguir um cantinho sob as asas do establishment caetânico da MPB, aquele que há 30 anos decreta o que é ou não bom, o que é ou não "descolado", neste país.
O nihil obstat caetânico já marca, por exemplo, a verdadeiramente inovadora cena mangue beat de Recife. Se não fosse aquele poste, quem sabe Chico Science não estaria hoje (escrevo na Sexta-Feira Santa) comendo bacalhau em Santo Amaro da Purificação.
Mas existe uma outra trilha possível, complicada, que exige convicção obstinada dos músicos que a escolhem: virar as costas para as panelinhas brasileiras, fazer um som que não segue moda alguma, caprichar nos contatos no exterior e se virar.
Essa segunda opção foi seguida pela banda baiana brincando de deus (assim mesmo, com minúsculas), que lançou um compacto só nos Estados Unidos e tem um ótimo CD independente, "Better When You Love (Me)", aqui no Brasil.
O brincando de deus é um quarteto que habita a praia, na falta de melhor nome, pós-gótica. Em seu som, ouvimos ecos de bandas como Jesus and Mary Chain, House of Love, Ride, Lush da primeira fase. Todas britânicas.
As 11 faixas de "Better When You Love (Me)" não são exatamente o futuro do rock and roll.
Apresentam uma opção definida pelo rock movido a guitarras e desilusões que dominou os anos 80. As letras, em inglês, falam de chuva ("there's something in the rain", da faixa "Christmas Falls on a Sunday"), frutas secas ("a shock, a dry lemon", de "De Profundis"), mal-estares ("so sick, so sick", em "So Strange"). Coisas assim.
Só que depois da década de 80 veio o grunge, o rock alternativo virou mainstream e implodiu, a música orientada para pistas de dança avançou sobre novos públicos.
Quem ainda fala de depressão, como o Nine Inch Nails, faz isso sobre uma base instrumental violentíssima, que em nada lembra as guitarras lentas e os vocais com eco dos grupos em que o brincando de deus se inspira.
Resumindo: a música do brincando de deus é muito boa, mas a essas alturas deixou de ser inovadora.
O que não é problema nenhum.
A força do brincando de deus está na atitude, em acreditar que dá para viver na Bahia e organizar show de tributo ao Joy Division, em vez de tentar conseguir uma boquinha na turma de Carlinhos Brown.
Até onde sei, o brincando de deus não tem videoclipe em preto e branco, em que aparecem coisas escritas, dirigido por cineastas descolados. Nem cogita ter Arto Lindsay como produtor de seu próximo álbum.
Os baianos pós-góticos não vão fazer parte do próximo projeto de Marisa Monte, nem ela deve saber que eles existem.
Segundo me disse o Fábio Massari, da MTV, os amigos mais famosos do brincando de deus são os Posies, uma das melhores bandas americanas de hoje.
Longa vida a eles.

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