São Paulo, terça-feira, 1 de abril de 1997
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Cruzadas e reformas

GERALDO BRINDEIRO

No combate ao crime organizado -especialmente o tráfico de drogas, os crimes contra o patrimônio público e os crimes do colarinho branco ("white collar crimes", denominação usada pelos criminalistas norte-americanos desde a década de 50)-, meras cruzadas moralizadoras periódicas são insuficientes.
É preciso realizar reformas. É necessário modernizar a legislação penal e processual penal para maior eficiência na persecução criminal. É preciso modernizar a Justiça, fornecendo-lhe os instrumentos legais e os meios materiais necessários.
O crime organizado é realmente organizado, como os crimes do colarinho branco, praticados no curso da ocupação dos próprios criminosos na administração pública, nos bancos, no mercado financeiro e na indústria, dentre outros, em prejuízo da população.
O Judiciário, o Ministério Público e a polícia não dispõem de organização e instrumentos suficientes, sejam meios materiais ou legais, para combater com maior eficiência a prática de tais crimes, cujo planejamento inclui muitas vezes moderna tecnologia, informática e outros meios ágeis e científicos, com conexões internacionais. Os fatos falam por si mesmos.
A definição legal desses crimes, muito recentemente adotada no Brasil, nem sempre é adequada, e as sanções quase sempre são excessivamente leves. Muitos fatos graves, como a conhecida "lavagem de dinheiro" ("money laundry", na expressão do direito penal comparado há décadas), não são definidos como crimes no Brasil.
Há projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional. "Nullum crimen nulla pena sine praevia lege." Não há crime nem pena sem lei anterior que os defina, conforme a Constituição (artigo 5º, inciso 39).
Mudanças se impõem também, a nosso ver, nos conceitos de sigilo fiscal e bancário, segundo modelos de países da maior tradição constitucionalista e de respeito à privacidade, como os EUA, sem que isso implique prejuízo às investigações criminais e ao combate aos parasitas e impostores.
E é preciso ainda introduzir no processo penal brasileiro o instituto do "plea bargaining" do direito anglo-americano -como o fizeram inúmeros países da Europa continental-, para permitir maior eficiência no combate ao crime organizado. O acordo e o programa de proteção de testemunhas permitem obter a cooperação dos criminosos menores em troca de informações que poderão levar à condenação dos grandes criminosos, evitando-se a impunidade.
A cooperação técnico-jurídica internacional com o Departamento de Justiça dos EUA, iniciada após entendimentos que mantivemos o ministro Nelson Jobim e eu próprio com a procuradora-geral Janet Reno, mediante troca de informações, experiências e obtenção de provas -especialmente no combate ao narcotráfico e na fiscalização da lavagem de dinheiro produto de atividades criminosas-, é também essencial para maior eficiência na persecução criminal a cargo do Ministério Público.
A experiência da "task force" norte-americana, reunindo o FBI, o DEA, o IRS e o Departamento de Justiça, revela-se útil para a integração e a ação conjunta de Ministério Público, Polícia Federal e Receita Federal no combate ao crime organizado.
Há, assim, a necessidade de reformas para tornar o processo mais moderno e funcional, atendendo com maior eficiência e rapidez os anseios da sociedade, não apenas no campo criminal, mas também nos campos cível, comercial e trabalhista.
Não se podem aceitar hodiernamente velhos procedimentos formais por mero apego a oneroso e complicado tecnicismo, em detrimento da substância do direito. É preciso que, ao lado das garantias da forma, disponha o processo judicial de maior eficiência e funcionalidade.
A modernização do processo, todavia, não pode significar, em nenhuma hipótese, prejuízo na observância rigorosa dos princípios constitucionais da legalidade, da presunção de inocência, do "due process of law", do contraditório e da ampla defesa. No Estado Democrático de Direito -não se devem jamais esquecer as lições do passado-, não há lugar para julgamentos sumários e tribunais de exceção como nos regimes autoritários.

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