São Paulo, terça-feira, 1 de abril de 1997
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Lucros privados...

ANDRÉ LARA RESENDE

O Bamerindus, segundo as informações dos jornais, tinha ativos incobráveis que superavam seu patrimônio em quase US$ 3 bilhões. A ação do Banco Central parece ter sido bem conduzida.
A assunção pelo HSBC das operações do Bamerindus foi preparada com a discrição requerida. O US$ 1 bilhão pago pelo HSBC reduz o custo do contribuinte assumido pelo Proer.
Os beneficiários -sempre é bom repetir- não são os antigos ou os novos controladores do banco, mas os seus depositantes.
O Banco Central acha que os depositantes de bancos quebrados não devem sofrer prejuízo: haveria risco de crise sistêmica. Tenho dúvidas, mas não disponho dos elementos para julgar.
Um banco, mais do que qualquer outra empresa, vive da confiança dos seus clientes. Seus ativos têm diferentes graus de liquidez. Alguns podem ser imediatamente realizados para gerar caixa; outros requerem mais tempo, implicam perdas se for necessário realizá-los sob pressão; e outros simplesmente não têm como ser cobrados ou vendidos, antes do prazo de maturidade, sem grandes prejuízos.
Se por desconfiança, fundada ou infundada, os correntistas resolvem não renovar seus depósitos, o banco vê-se com insuficiência de fundos para bancar seus ativos. É justamente porque essa possibilidade existe que os bancos centrais assumem a função de emprestadores de última instância.
O redesconto é a forma pela qual os bancos centrais emprestam aos bancos que sofrem restrições de liquidez. É evidente que deve ser um empréstimo transitório. Um empréstimo para que instituições saudáveis possam se ajustar a uma temporária crise de liquidez, e não uma fonte permanente de financiamento para instituições com ativos irrealizáveis. Um banco cujos ativos são empréstimos incobráveis, renovados apenas para encobrir o fato de que os devedores são incapazes de honrá-los, não é caso de acesso ao redesconto. É caso de intervenção.
Se os empréstimos incobráveis superam o patrimônio, o banco está quebrado -não há recursos próprios para cobrir as perdas. Esse era o caso do Banespa, do Banerj, do Econômico, do Nacional e, agora confirmado, também o caso do Bamerindus. Por que então a demora para agir? Influência política dos controladores? Pode até ser, mas a verdade é que a legislação obriga o Banco Central a esperar até que o caso seja inquestionavelmente terminal antes de intervir. O custo para o contribuinte acaba sendo alto. Poderia, entretanto, vir a ser ainda mais alto se a precipitação viesse a permitir aos controladores encontrar brechas para ganhar indenização na Justiça.
Tudo indica que com o Bamerindus terminaram os problemas -ao menos os grandes- do sistema bancário privado. Os custos foram enormes. É preciso agir e evitar que os problemas dos bancos públicos se agravem.
É hora de privatizar os poucos que são privatizáveis e fechar os que não o são. Rever a legislação para permitir a intervenção preventiva. Encerrar o Proer, que já cumpriu sua onerosa missão, e restabelecer a noção de risco no sistema bancário.
Pois há tempos que o nosso sistema bancário é o mais perfeito caso de lucros privados e prejuízos públicos.

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