São Paulo, quarta-feira, 2 de abril de 1997
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Aberração ou rotina?

MAURICIO STYCER

São Paulo - As imagens da violência policial em Diadema provocam náusea, entre outros motivos, porque são, aparentemente, inexplicáveis.
Exibida pela televisão, a brutalidade e a covardia dos policiais é tão assombrosa que parece irreal, peça de ficção.
Mas todos os espectadores foram informados que não, que aquilo aconteceu de fato. Diante do incompreensível, então, a tendência é achar que fomos testemunhas de uma aberração, um fenômeno jamais catalogado, que não tem explicação nos livros.
É aí que mora o perigo.
É óbvio que há uma espécie de vício de origem na brutalidade exibida pela TV na hora do jantar, anteontem: a operação clandestina da Polícia Militar ocorria na entrada de uma favela, local de moradia, não por opção, de trabalhadores de baixa renda.
Por que ali, naquele beco? E não na Taiarana, aquela ruela entre as ruas Haddock Lobo e Bela Cintra, nos Jardins? As possibilidades de extorsão seriam muito maiores no bairro da classe média alta paulistana, mas os policiais não estavam atrás só de dinheiro: eles demonstram prazer na humilhação e violência que promovem.
Por que a chacina de Vigário Geral aconteceu naquela favela, num subúrbio carioca, e não em Ipanema? Por que as chacinas que hoje ganham registro rotineiro nos jornais só ocorrem nas bordas de São Paulo? Por que 111 presos foram fuzilados no Carandiru?
Não está se dizendo que todos os policiais militares são criminosos, inescrupulosos, covardes. Mas devemos resistir à tentação de achar que os crimes citados aqui são atos isolados, meras aberrações da natureza.
A covardia dos policiais envolvidos em atos criminosos está diretamente relacionada à crença na impunidade. Por sua vez, essa fé na falta de justiça está fundada na constatação, inúmeras vezes repetida, de que, no Brasil, só os ricos têm acesso à Justiça e só os pobres têm assento no banco dos réus.
Punir de forma exemplar os culpados pela violência em Diadema pode ajudar, mas não é suficiente na construção de uma civilização.

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