São Paulo, quarta-feira, 2 de abril de 1997
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Teologia e intuição

ANTONIO DELFIM NETTO

O Brasil termina o primeiro trimestre de 1997 com um déficit comercial próximo a US$ 3 bilhões. Não se trata de nenhuma tragédia.
A possibilidade, entretanto, de um déficit comercial de US$ 10 bilhões ou US$ 12 bilhões anuncia um déficit em conta corrente da ordem de US$ 30 bilhões a US$ 31 bilhões, o que não pode ser tranquilizador.
Fez bem o presidente em realizar um "go-around" com alguns economistas de sua confiança que já trabalharam no governo e que hoje estão no setor privado. Certamente isso lhe deu uma visão um pouco mais realista das dificuldades ainda existentes para a consolidação do Plano Real.
Não existe nenhuma ameaça iminente, mas não é conveniente deixar que as tensões se acumulem e venham a exigir uma ação dramática sob pressão das circunstâncias.
Os exemplos históricos são claros: as medidas de correção do balanço em conta corrente devem ser tomadas com a antecipação adequada, enquanto o nível de reserva desestimula qualquer ataque à moeda nacional.
Para induzir uma redução do déficit comercial o governo precisa: 1) ou aumentar as exportações, 2) ou reduzir as importações ou 3) uma combinação das duas coisas.
Há só uma variável que tende a produzir diretamente o item "3": é a liberação do câmbio, que reduziria a taxa de juros e aumentaria o nível de atividade. Ela, entretanto, não faz parte da caixa de ferramentas do governo.
Resta, assim, aumentar as exportações ou diminuir as importações por outro caminho. Um "nouveau économiste" tem sempre pronta uma medida para conseguir esse resultado: reduzir o ritmo da atividade econômica como se fez em 1995. Essa é a solução preferida pelos "teólogos do mercadismo", pois para eles a boa teoria econômica "garante" que não existe desemprego voluntário! Apesar do seu custo absurdo ela funciona.
O problema é que a intuição política do presidente bloqueia essa saída. Para ele é fundamental manter a economia funcionando, mesmo que seja a uma taxa de crescimento baixo, porque essa é a forma de impedir que a taxa de desemprego assuma valores alarmantes como em outros países. Além do mais, o próprio crescimento ajuda, pois ele possibilita a redução do déficit público e a formação de poupança.
Logo não restava à equipe econômica outro caminho que não fosse mais um controle das importações. A medida se resumiu a aumentar o custo de 2/3 das importações (exatamente o que faria uma desvalorização, mas sem aumentar o rendimento dos exportadores), com um corte de crédito que atingirá bens de consumo e algumas matérias-primas.
Vai aumentar ainda mais a valorização do câmbio e poderá aumentar a concentração no setor industrial, porque as grandes empresas (nacionais e estrangeiras) poderão ajustar-se mais facilmente ao prazo de 360 dias.
Cria-se, assim, mais uma discriminação contra o setor exportador e contra as pequenas e médias empresas nacionais, que será superada pela "imaginação" do mercado, mas não sem custos.
Agora é a hora de pensar nas exceções. Vamos ver quantas serão concedidas nas próximas semanas...

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