São Paulo, quinta-feira, 3 de abril de 1997
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Para advogados, juízes podem ignorar MP

OTÁVIO DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Juízes poderão simplesmente desconsiderar a MP (medida provisória), assinada pelo presidente FHC no último dia 26, que desobriga o governo a cumprir decisões judiciais provisórias quando houver risco de prejuízo aos cofres públicos.
Esta é a opinião majoritária entre advogados ouvidos pela Folha. A MP teve como principal objetivo limitar o poder de a Justiça conceder liminares determinando o pagamento provisório do reajuste de 28,8% concedido aos militares em 92 e, desde então, exigido pelos servidores civis federais.
Em um de seus artigos, a MP condiciona a concessão da liminar ao depósito, por parte do beneficiado, de uma garantia (imóvel ou fiança, por exemplo) para o caso de a sentença judicial definitiva lhe ser desfavorável e os recursos precisarem ser restituídos.
Quando concedida, a liminar obriga o poder público a restituir o direito provisoriamente, antes mesmo do julgamento do mérito da ação (sentença definitiva).
A MP seria inconstitucional porque desrespeita artigo da Constituição que determina que todos são iguais perante a lei para entrar na Justiça com um mandado de segurança com objetivo de proteger um direito seu ameaçado por autoridade pública.
Segundo os advogados, a MP estaria criando duas classes de cidadão. "É uma MP que traz embutida uma enorme exclusão social", diz o professor Dalmo Dallari, da Faculdade de Direito da USP. "Quem não tiver como oferecer uma garantia, não poderá obter uma liminar", continua.
Para o advogado Ives Gandra Martins, "uma medida que restrinja o que não tem restrição pode ser considerada inconstitucional".
Segundo Martins, a concessão de liminares é decisão exclusiva do juiz, que pode até exigir o depósito de uma garantia. O Poder Executivo, entretanto, não pode impor condições. "O juiz poderá simplesmente ignorar esta MP", diz.
Precedente
Martins lembra um precedente. No Plano Collor, muitas pessoas conseguiram obter liminares para poder sacar dinheiro bloqueado em suas contas bancárias.
"Naquela oportunidade, o governo também baixou uma MP restringindo a concessão de liminares para liberação do dinheiro bloqueado. Muitos juízes consideraram a medida inconstitucional e a ignoraram", diz Martins.
O advogado Miguel Reale Jr. considera a exigência da garantia uma "injustiça que beira a inconstitucionalidade pois impede que as pessoas mais pobres recorram à Justiça".
Diz, no entanto, que a legislação que regula o mandado de segurança limita a concessão de liminares em caso de reajuste salarial.
"Nesse caso, há a justificativa do equilíbrio orçamentário. A Justiça não pode determinar que o Executivo pague algo que não está previsto no Orçamento", afirma.
O presidente do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, Celso Bastos, também é contrário à concessão de liminares para reajuste salarial do funcionalismo.
Para ele, com frequência juízes concedem liminares sem consistência jurídica. "O juiz não enfrenta limites orçamentários, mas o Estado não tem como bancar todas as suas decisões de caráter provisório", afirma.
Segundo Bastos, a MP está correta porque a concessão de liminares tornou-se indiscriminada e precisa ser limitada. "Com a exigência da garantia, ninguém vai empenhar bens numa liminar em que não crê", diz.
Na opinião do advogado José Carlos Graça Wagner, a MP deverá mesmo ser desconsiderada pelos juízes porque fere vários aspectos da Constituição.
"Entre outros direitos violados, ela trata funcionários públicos de forma diferente e, quando impõe uma condição material para alguém ter um direito apreciado, dificulta o acesso dos mais pobres ao Judiciário. Isso é discriminação."

Colaborou a Reportagem Local

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