São Paulo, quinta-feira, 3 de abril de 1997
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Solano, seu nome é Renê

LUÍS NASSIF

A versão de Fausto Solano Pereira, para o aparecimento de um cheque do "laranja" IBF, de R$ 9,7 milhões, em sua conta -entregue pelo misterioso dr. Renê-, não convenceu um grande especialista do mercado de câmbio. Para ele, Solano foi o beneficiário do valor total do deságio dos títulos nas operações realizadas pelo esquema no mercado secundário.
Solano explicou que vendeu dólares (ou seja, trouxe dinheiro de fora para o Brasil). O especialista garante que a operação tem todas as características de venda de dólar (de remessa de dinheiro para fora).
A explicação de Solano é que pretendia trazer US$ 1,7 milhão de fora. Procurou um doleiro e fez a venda. Mas o misterioso dr. Renê só dispunha de um comprador de dólares que tinha dado um cheque de R$ 9,7 milhões, e vários vendedores de dólares.
Teria sugerido, então, a Solano que depositasse o valor total em sua conta, retivesse seu R$ 1,7 milhão e desse o (baita) troco para os demais vendedores.
Explica o especialista que essa operação não é habitual no mercado de dólares. Pode acontecer no máximo quando existe uma pequena diferença de valores.
Outra lógica
Em sua opinião, a lógica da operação é outra:
1) Solano coordenou o esquema de compra e venda de papéis no mercado secundário. E foi a pessoa que recebeu o "deságio" maior, o lucro do esquema.
2) Para receber o lucro, alugou o IBF -um "laranja" da Split. Não poderia ser a própria Split porque, sendo uma corretora, ela teria que "esquentar" o dinheiro por meio de operações de índices na BMF.
3) O IBF recebe o cheque, passa para a Split que encaminha para Solano.
Um parêntese técnico. Na operação, o cliente recorre a duas especializações desse mercado paralelo: a "lavanderia" (o laranja que esquenta ou esfria o dinheiro) e o "doleiro" propriamente dito (que manda o dinheiro para fora).
Como uma empresa moderna, organizada, e em linha com seu tempo, a Split oferecia os dois negócios: "lavanderia" e câmbio. Aparentemente, Solano contratou só a "lavanderia". Se contratasse ambos os serviços, em vez de um cheque aqui dentro, a Split simplesmente faria uma transferência para sua conta lá fora, e não haveria pistas para a CPI investigar.
Provavelmente Solano tinha outro doleiro, e não quis abrir com a Split seus segredos comerciais: a relação dos beneficiários dos cheques, pessoas ou instituições que participaram dos lucros da operação.
Embaixada do Japão
Por que deu cheques até para a Embaixada do Japão?
Aqui, um segundo parêntese técnico.
O mercado de dólares funciona da seguinte maneira:
1) O comprador procura o doleiro A e quer comprar R$ 8 milhões em dólares.
2) O doleiro A tem dez vendedores que perfazem, digamos, R$ 2 milhões. Aí ele pede cobertura para o doleiro B, para completar o valor solicitado.
3) O doleiro B tem mais 15 clientes querendo vender dólares, no valor de R$ 4 milhões. Aí ele pede cobertura para o doleiro C.
4) O doleiro C tem mais dez clientes querendo vender dólares, completando o valor solicitado.
A Embaixada do Japão era um desses vendedores de dólares. Completado o ciclo, o doleiro A entra em contato com seu cliente, com a lista e o número da conta corrente dos 35 vendedores de dólares.
O comprador (o sujeito que quer mandar os dólares para fora) emite um cheque em nome de cada vendedor de dólar -a maioria dos quais são meros "laranjas" que alugaram seus CICs e RGs por US$ 500 a US$ 600 mensais.
Três esquemas
A partir da análise dos fatos até agora divulgados pela CPI dos Precatórios, esse especialista identifica três sistemas distintos de remessa de dólares.
O primeiro, o doleiro que trabalhava para a Negocial -esta, apenas uma "lavanderia". O segundo, a própria Split, que oferecia serviços de "lavanderia" e de doleiro. E o terceiro, o doleiro que trabalhava para Solano.
Até agora não foi possível identificar o doleiro de Solano, porque ele operava com "laranjas" de São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba -ao contrário dos doleiros convencionais, que trabalham com "laranjas" da fronteira.
A "clearing"
Ao contrário do que tem sido divulgado, o doleiro dos doleiros do mercado é a Split, não o Banco Dimensão.

Email: lnassif@uol.com.br

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