São Paulo, quinta-feira, 3 de abril de 1997
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João Donato canta sua "água de beber"

LUIZ ANTÔNIO RYFF
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dos maiores nomes da MPB, o compositor e pianista acreano João Donato, 62, vive obcecado por água.
Essa é uma das características da "nova fase" que diz estar vivendo. "Estou renascendo. Minha música ficou mais bonita e mais simples", afirma.
Antes de começar a entrevista à Folha, Donato avisa que não está preparado para conversar.
"Não tomei banho ainda", diz, antes de interromper a conversa pelo telefone para regar as plantas da varanda do apart-hotel onde está hospedado para o show no bar Supremo Musical.
Donato compara sua música à água. "Ela faz bem. É balsâmica. Cura tristeza e depressão. Assino em baixo."
"Água é bom para tudo. É a melhor coisa do mundo", justifica.
É isso que ele bebe, depois que, segundo diz, parou com o álcool e as drogas há um ano.
"Não encosto mais nem em cerveja, nem em sorvete de passas ao rum", afirma.
Donato diz que parou com os "aditivos" por causa do filho adolescente, da namorada paulista e da religião.
"Na minha religião não pode beber. Eu me chamo de evangélico, mas não tenho muita certeza da definição. É como minha música. Não sei a definição", diz.
Hoje, o compositor também condena as drogas, afirmando que seu uso "não é coisa de gente civilizada".
E afirma que, ao contrário do que alguns pensam, álcool e drogas não são importantes para o processo criativo.
"Os artistas criam apesar dos aditivos", ressalta.
Torneiras de ouro
O uso de drogas é um dos pontos apontados por ele para, embora seja considerado um dos principais nomes da bossa nova, não ter feito tanto sucesso quanto seus contemporâneos, como Tom Jobim ou Vinícius de Moraes.
"Eles limitavam as drogas ao álcool, a beber um uisquezinho, a coisas aceitas", compara.
A outra explicação encontrada por ele é a falta de letras em suas músicas. Donato sempre foi considerado um rei da bossa nova instrumental.
"Eu gosto de músicas sem palavras", diz o compositor, curiosamente um apaixonado pelos conjuntos vocais que sobejavam nos anos 50.
Donato reconhece, contudo, que "basta botar uma palavrinha em uma música que ela vira popular".
Por conta dessa "falta de palavras", não teve, segundo ele, a recompensa financeira que outros tiveram.
Não que isso o angustie ou que o faça se sentir injustiçado. Sua preocupação é fazer boa música.
"Para que ter torneiras de ouro se a água continua contaminada? Qual é a relação de felicidade?", pergunta.
Músicas coloridas
Mesmo assim, nessa "segunda fase" de sua carreira, além de tocar piano ele vai cantar.
Donato passou a tomar aulas com um fonoaudiólogo, para, segundo ele mesmo conta, "aprender a falar, a cantar, a pensar e a viver".
"Agora eu canto. As músicas ficam mais coloridas com letra. Se cantar 'dó, ré, mi, fá, sol', ela satura um pouco a paciência de quem está ouvindo. Se cantar 'que bonito o sol',as pessoas vão prestar mais atenção", pondera.
No repertório do show estão algumas de suas músicas mais conhecidas, como "A Rã", "A Paz", "Lugar Comum" e "Simples Carinho".
Ele também cantará "Paulistana Enamorada", composta para a namorada Teresinha, e deve tocar a nova "Uma Coisa Bonitinha Para Mamãe", feita em parceria com Gilberto Gil.
Donato também promete que o palco do Supremo Musical não verá a ressurreição de seu acordeom -o instrumento que tocava até 1959, quando ele foi roubado de um carro. Na época, o compositor morava nos EUA e resolveu tentar outro instrumento, o piano.
Donato sabe que carrega o estigma da genialidade e -por causa de histórias como a do acordeom- a fama de ser um pouco estranho, mas não se incomoda com isso.
"Não me acho estranho", ri. "Não acho ninguém estranho, mas se tem algum maluco falando sozinho no meio da rua eu me identifico logo. Digo, 'lá vou eu'."

Show: João Donato
Onde: Supremo Musical (r. Oscar Freire 1.000, Jardins, tel. 011/852-0950)
Quando: hoje, dias 10, 17 e 24 de abril, às 22h
Quanto: R$ 20

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