São Paulo, domingo, 6 de abril de 1997
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O povo contra a polícia

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

A cena aconteceu no Rio, há uma semana. Descia de táxi da Barra em direção à Lagoa, quando o motorista parou no sinal. Ao lado, um canteiro ocupado por um grupo de crianças pobres, pedindo esmola. De repente ouviu-se a sirene -e o camburão da polícia despontou, soturno, no cruzamento.
A reação foi pavloviana, instantânea: uma menina de 6 ou 7 anos correu, apavorada, pegou a irmã de 2 ou 3 anos, colocou no colo, e foi esconder-se atrás de um poste.
O camburão passou apressado, mas a imagem ficou estacionada na memória, como alegoria de uma realidade brutal.
O medo da polícia, no Brasil, aprende-se cedo -e muito mais rapidamente quando se é pobre e negro.
Pesquisa realizada pelo DataFolha, que o caderno São Paulo publica nesta edição, traz números impressionantes: 35% dos negros dizem que têm mais medo da polícia do que de bandidos. Outros 35% dizem que temem igualmente policiais e bandidos. Apenas 28% afirmam temer mais os bandidos do que a polícia.
Entre a população branca, os números caem, mas ainda assim revelam que o terror é generalizado: 19% dizem temer mais a polícia e 33% têm medo de policiais e bandidos na mesma proporção.
Este é um país com rala experiência democrática. A norma sempre foi a divisão social mantida por uma espécie de dialética do tapinha e do chicote nas costas.
Negros à frente. Libertados da escravidão, foram continuamente perseguidos: proibiram-lhes a religião, a música, a dança, a luta.
Natural que temam a polícia, que continua a reciclar e reproduzir em nossos dias a violência que sempre os cercou. Foi um negro que morreu, afinal, na tristemente famosa blitz de Diadema.
É difícil acreditar que alguma coisa realmente venha a mudar por conta do escândalo em torno da estupidez da PM paulista. Os exemplos de impunidade proliferam.
Mas é em momentos como esse que a sociedade tem a oportunidade de manifestar-se e pressionar seus governantes. É nessas ocasiões que as humilhações longamente sofridas no cotidiano podem vir à tona sob a forma de indignação.
O governo paulista tenta desarmar os espíritos. Evita medidas drásticas. Quer tratar o caso sem entrar no clima de "comoção". Mas, queiram ou não, o que está em curso é o julgamento, sim, da polícia, como símbolo que é da violência do Estado brasileiro contra seus cidadãos pobres e desprotegidos.

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