São Paulo, segunda-feira, 7 de abril de 1997
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Imagens de Diadema destampam revolta secular

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A veiculação de imagens colhidas por um cinegrafista anônimo com uma câmera oculta em Diadema revela a capacidade heterodoxa da imagem de se imiscuir de maneira inusitada na política.
No caso, o significado da intervenção é civilizatório. A violência discriminatória da polícia no trato com os cidadãos pobres e negros não é novidade no Brasil. Nos últimos dez anos, ela foi cantada à exaustão na poesia dos rappers e roqueiros, como bem apontou reportagem do "Metrópolis".
Gil e Caetano, com "Haiti", Titãs, Paralamas, Racionais -são inúmeros os grupos e músicas que descrevem a violência cotidiana praticada nas inúmeras batidas e revistas policiais.
O descontrole da polícia também foi denunciado insistentemente por estudiosos do assunto. E é alvo da atenção criteriosa de organismos internacionais de defesa dos direitos humanos. Mas o impacto da exibição pública das imagens é muito maior do que tudo isso. Gera uma comoção que se interpõe no ritmo das políticas públicas. Força a ação do governador pego de surpresa por um grau inusitado de indignação geral.
As imagens transmitidas e comentadas nos mais diversos programas alteram a qualidade do debate. Estimulam comentaristas como Jô Soares ou Boris Casoy a adotarem posicionamentos firmes. Mas principalmente, destampam a revolta contra maus-tratos seculares. Estimulam o protesto inédito de cidadãos entrevistados na rua que assumem explicitamente, diante das câmeras, sua condição de cor e registram queixas contra o tratamento racista da polícia.
A novidade é que a câmera escondida foi capaz de retirar práticas bárbaras das trevas para lhes dar visibilidade pública. Alimentando os circuitos transnacionais de mídia, a prova da brutal violação dos direitos humanos ao sul do Equador passa ao largo do Estado e gera uma pressão internacional de defesa da cidadania.
A televisão, tal como a imprensa, em sociedades democráticas e de mercado, rompe com os controles tradicionais sobre os mecanismos de representação e decisão. Por isso é capaz de ajudar a romper estruturas viciadas.
A TV é especialmente poderosa para denunciar. Mas sua dificuldade de ir além se expressa na repetição infinita das sequências escandalosas em inúmeros programas ao longo da semana.
Já ao Estado, mesmo que minimalista, cabe ser propositivo na defesa da prerrogativa básica do monopólio da força, sob pena de se diluir nas querelas de traficantes e corruptos de todas as espécies.

E-mail ehamb@uol.com.br

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