São Paulo, segunda-feira, 7 de abril de 1997
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Kieslowski torna-se "um dos nossos" em documentário sobre sua vida

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A curta carreira de Krzysztof Kieslowski (1941-1996) bastou para agregar novos padrões de sensibilidade e lirismo à narrativa cinematográfica. Por isso, sua morte provocou um sentimento de "viuvez" entre os cinéfilos medianamente informados.
O documentário "Kieslowski por Kieslowski", em exibição no Cinesesc hoje, às 20h, para convidados do Festival Internacional, é o último instrumento para saciar essa carência.
Não que os 56 minutos de uma longa entrevista sua, dada um ano antes de morrer a seu ex-assistente, Krzysztof Wierzbicki, tenha o valor de uma explicação definitiva sobre sua estética, capaz de canalizar a rica ambiguidade de sua filmografia a uma suposta interpretação unívoca, fundada nas chamadas "intenções do autor".
Bem pelo contrário. Referindo-se a "A Fraternidade é Vermelha", rodado na França em 1994, com Jean-Louis Tritignant e Irene Jacob, ele diz a certa altura: "Há diferentes interpretações; que cada um escolha a sua".
O média-metragem de Wierzbicki é pouco ambicioso. Força Kieslowski falar sobre sua vida, sobre o pai tuberculoso e a inusitada oportunidade, na adolescência, de abandonar o curso técnico de aprendiz de bombeiro para estudar arte dramática.
Os trechos de filmes reproduzidos no documentário têm pouco a ver com os seis longa-metragens que correram pelos pelos circuitos ocidentais de distribuição.
Em lugar de "A Dupla Vida de Verônica" (1991), "Não Matarás" (1987), ou "A Liberdade é Azul" (1993), o enfoque recai sobre experiências anteriores, como "Amador" (1979) ou "Câmera Buff" (1978), rodados ainda sob o comunismo e que trazem uma temática que mistura o trivial ao libertário.
São pessoas reais que discorrem sobre o que acham da vida, no estilo cinema-verdade. É um operário munido de uma câmara super-8, estimulado por suas chefias a documentar o cotidiano de sua fábrica, mas que acaba se deparando com movimento grevista.
Kieslowski, ao discorrer sobre si mesmo, possui na tela a trivialidade do homem comum. Seus gestos são seguros e lentos, seu olhar nada traz de profético, de carismático. Tem-se a impressão de que se trata de "um dos nossos", circunstancialmente dotado da capacidade de se exprimir pelo cinema.
Em sua casa de campo, acaricia um cavalo, senta-se sobre uma pilha de lenha para ser entrevistado, e diz em certo momento que sua única boa característica é a de ser pessimista. A seu ver, "o futuro é um buraco negro".
O dele chegou mais cedo, por complicações cardíacas decorrentes de um implante de safena.

Filme: "Kieslowski por Kieslowski"
Diretor: Krzysztof Wierzbicki
Onde: Cinesesc
Quando: exibição hoje, 20h, para convidados. Próxima exibição dia 9, às 19h

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