São Paulo, segunda-feira, 7 de abril de 1997
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Os governos são três

JOSÉ SERRA

Ainda persiste no Brasil a idéia de que "governo" significa governo federal, sendo os governos estaduais e principalmente as prefeituras vistos como entidades de serviços ou até beneficentes, quando não sindicatos de espoliados que reivindicam maiores concessões patronais de Brasília.
Essa crença tem raízes históricas que remontam ao país que fundou o Brasil (Portugal não teve feudalismo) e à nossa formação colonial, baseada num Estado cuja centralização extrema se consolidou durante o Império. O interregno descentralizador da República Velha não trouxe uma inflexão definitiva nesse padrão histórico, logo retomado pela Revolução de 30, o esmagamento da Revolução Constitucionalista de São Paulo e o Estado Novo. O regime democrático do pós-guerra e a ditadura militar de 1964 mantiveram nítida continuidade com o regime do Estado Novo quanto à forte presença econômica e social do Estado e à percepção do seu papel.
Esse modelo começou a fazer água a partir da crise do autoritarismo na primeira metade dos 80, acompanhada de longa estagnação econômica, que passou a limitar o poder redistribuidor de recursos da União, e completada pela Constituição de 1988 e seu furioso ímpeto descentralizador de receitas. A isso se acrescentou a abertura da economia, rápida, drástica e massiva, desde o começo dos 90, cujo impacto menos percebido, mas não menos importante, tem sido o de enfraquecer as solidariedades regionais a uma política nacional e consistente de desenvolvimento, cuja definição prática ainda está por fazer-se.
Lembro também a dimensão política, em face do reforço à autonomia dos Estados e municípios promovido pela Constituição de 1988, e do nosso sistema político eleitoral (presidencialismo, voto proporcional, desproporção das representações estaduais, partidos frágeis) que, num contexto democrático, impõe uma notável influência regional, estadual e local no Congresso, onde boa parte dos deputados e mesmo senadores atuam como vereadores federais.
Na economia os números são claros: em 95/96 Estados e municípios responderam por mais da metade de déficit público brasileiro; seus investimentos são quatro vezes maiores do que os da União; seu funcionalismo e seu consumo custam o dobro.
Sendo muito maior a importância das empresas federais, o peso relativo da União tende a diminuir também em razão do processo de privatização, que retira a capacidade de manipulação política implícita na oferta de empregos e de investimentos dessas empresas.
Nosso futuro de democracia e desenvolvimento depende bastante da capacidade de nossas elites de perceberem a necessidade do novo federalismo que vai se impondo. Isso diminuiria custos, tensões e exigiria menos mudanças na Constituição do que o respeito a ela. Aliás, as dores desta CPI dos precatórios seriam infinitamente menores hoje se governadores e prefeitos tivessem se dado conta de que a Constituição vale para todos.

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