São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 1997
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Críticas são injustas e 'hipócritas', diz FHC

WILLIAM FRANÇA
RICARDO AMORIM

WILLIAM FRANÇA; RICARDO AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

"Se a sociedade quer um Estado capaz de produzir o bem-estar social, tem que pagar mais impostos", diz

O presidente Fernando Henrique Cardoso sugeriu ontem que, para assentar mais famílias sem terra, é preciso que a sociedade pague mais impostos.
FHC afirmou que o governo "não tem mais recursos" para aumentar a velocidade dos assentamentos, previstos para 80 mil famílias este ano.
As declarações do presidente acontecem uma semana antes da chegada a Brasília da marcha dos trabalhadores sem terra. Eles criticam a morosidade da reforma agrária e defendem o assentamento de até 1 milhão de famílias.
Segundo FHC, é injusto e "hipócrita pedir mais, quando se sabe que não há condições para mais".
O presidente disse, durante seminário sobre reforma agrária, que, "se a sociedade quer um Estado capaz de produzir o bem-estar social, tem que pagar mais impostos".
O presidente afirmou que a sociedade precisa decidir se a questão dos sem-terra e dos assentamentos rurais deve ser tratada de forma especial. "A sociedade quer? Eu quero."
Segundo cálculos de FHC, para assentar corretamente 1 milhão de sem-terra -número defendido pelos trabalhadores rurais- devem ser gastos R$ 40 bilhões, o equivalente ao gasto da Previdência Social por ano para atender 16 milhões de aposentados e pensionistas.
FHC lançou uma série de perguntas que ele disse querer ver respondidas ao final do encontro, que dura três dias.
"A sociedade quer (subsidiar assentamentos)? A sociedade pode? Nós temos recursos? É essa a solução? O Brasil acredita que, no futuro, será melhor termos 4,5 milhões de famílias assentadas?"
O ministro Raul Jungmann (Política Fundiária) disse que, "se a sociedade cobra mais, e esse é um governo democrático, cabe ao governo apresentar à sociedade e ao Congresso maneiras de harmonizar o que deseja a sociedade e o governo também", afirmou. "Isso poderá passar por novos impostos", completou.
Ao lado do aumento de fontes de arrecadação, o presidente cobrou maior participação dos movimentos sociais (igreja, sindicatos e partidos, entre outros), dos municípios e Estados na busca de um novo modelo para a questão agrária.
"Ou será que, no caso da reforma agrária, nós vamos continuar pensando que estamos vivendo numa economia centralmente planificada, em que a vontade poderosa de Brasília impõe-se sobre uma realidade multiforme e dispersa, como é a realidade brasileira?", questionou FHC.
A seguir, alguns dos temas tratados pelo presidente durante sua exposição, que durou 53 minutos:
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MAIS IMPOSTOS - "Se a sociedade quer um Estado capaz de produzir o bem-estar social, tem que pagar mais impostos. E há um limite para isso, porque, se se cobra muito mais imposto, o processo produtivo sofre, porque não existe recurso para investimento."
REFORMA AGRÁRIA - "Não é só o assentamento. É um conjunto de políticas. E não basta pensar nos que estão assentados. É preciso pensar nas famílias que são proprietárias e que não têm apoio".
MÁQUINA DO GOVERNO - "É fácil pedir, reclamar, gritar e ficar sentado no escritório. Agora, é muito difícil fazer todo esse instrumental (o governo) funcionar."
PARTICIPAÇÃO - "O governo tem consciência das dificuldades. Tem absoluta consciência de que ele precisa fazer mais. Mas ele também tem um sentimento, muito genuíno, de que esse 'ele' não é ele. É a sociedade toda."
PROCESSO INFINITO - "Quantas mais (famílias) se assentem, mais acamparão, pelo que eu disse aqui, da perspectiva histórica, da massa possivelmente disponível. Quantas mais se assentem, mais acamparão. Não se há de medir a eficiência do governo pelo número de acampados."
EXTERIOR - "É um pouco patético que se peça ao exterior o que se está fazendo aqui. É uma substituição da política verdadeira. Política verdadeira é aqui."
UTOPIA - "Vivemos um momento positivo, que não pode ser tolhido por uma permanente sensação de frustração de quem pede o infinito e não dá nem um passo no concreto. O nosso desafio não é um desafio utópico, nem é, simplesmente, a indignação moral, que deve existir. Indignação moral à qual não corresponde uma ação prática é hipócrita."

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