São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 1997
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O furto do nosso dinheiro, Requião etc.

ALOYSIO BIONDI

Mesmo acompanhando o amplo noticiário sobre a CPI dos Precatórios, a sociedade brasileira, classe média e povão, ainda não entendeu muito bem uma coisa: não são apenas as prefeituras e Estados que têm sido roubados com as fraudes. Mais claramente: todos os brasileiros que têm dinheiro aplicado em fundos de curto prazo, "fundões", fundos de commodities etc. são vítimas diretas do assalto. É isso que, mais uma vez, está sendo revelado na CPI, neste momento:
1. Os bancos "administram" -e cobram altíssimas taxas para isso- os tais fundos. Isto é, recebem dinheiro de seus clientes e compram os títulos, mantendo-os em uma "carteira".
2. Os juros e rendimentos desses títulos são "divididos" entre os aplicadores dos fundos, isto é, entre os milhões de brasileiros que confiam seu dinheiro aos bancos.
3. No caso dos precatórios, o que está sendo revelado é que os bancos pagam 100 por um título que poderiam comprar por 80 -proporcionando um lucro de 20 às instituições ou empresas vendedoras.
4. Essa fatia de 20, que o banco "doou" fraudulentamente a terceiros, seria o lucro dos seus clientes, isto é, da classe média e do povão que têm o dinheiro aplicado nos fundos.
5. Em resumo: em lugar de aplicar o dinheiro dos clientes da forma mais lucrativa possível, os bancos "desviam" esse dinheiro e proporcionam lucros a sócios na fraude.
O povo brasileiro, como o relator da CPI, senador Roberto Requião, está tentando dizer -e estão tentando silenciá-lo, inclusive por meio de uma campanha de ridicularização na imprensa-, tem sido assaltado, esbulhado por operações fraudulentas no mercado financeiro. Isso, há anos e anos. Tudo, com a cumplicidade de governadores, ministros, equipes econômicas, como é fácil demonstrar.
Commodities
Os assaltos contra o investidor brasileiro só ficam conhecidos quando há algum escândalo ou quebra de instituição financeira. Há meses foram publicados trechos de um relatório sobre a "quebra" do Nacional, por exemplo. Entre as fraudes apontadas, havia o seguinte procedimento: em operações milionárias, o banco usava o dinheiro dos fundos de commodities (administrados por ele) para proporcionar lucros a determinadas grandes empresas. Os fundos sofriam prejuízos, isto é, os investidores nos fundos sofriam prejuízos, com desvio de dinheiro que eles haviam aplicado. Uma fraude rotineira.
Fundos de ações
Os bancos administram fundos de ações, isto é, recebem dinheiro dos investidores e compram e vendem ações em Bolsas, negociando-as permanentemente. Os lucros dessas operações são divididos entre os aplicadores. Só que todos os estudos mostram que os fundos "administrados" pelos bancos têm oferecido lucros ridículos, mesmo quando as ações sobem 30%, 50%, 100% nas Bolsas. Motivo: fraudes, furto. Os bancos reservam ações lucrativas para eles próprios ou para seus grandes clientes. E "empurram" as ações já podres, que já deram todo o lucro que poderiam dar, para os fundos -ou seja, para seus clientes/investidores.
Cúmplices
A exemplo dos EUA, existe no Brasil um órgão que -além do Banco Central- deveria funcionar como xerife do mercado, a Comissão de Valores Mobiliários. No ano passado, a CVM denunciou um monumental assalto contra o investidor brasileiro, a saber, os prejuízos dos aplicadores nos Fundos 157, que nada mais são do que fundos de ações em que o brasileiro aplicava dinheiro retirado do Imposto de Renda.
Pelos cálculos da época, havia casos em que o dinheiro do investidor rendeu 30 vezes menos do que deveria, isto é, uma aplicação que deveria ter rendido 30 mil estava "rendendo" apenas mil... A CVM tem poucos funcionários, fiscais e auditores e queria aumentar seu quadro de pessoal. Tem até dinheiro para isso, ou seja, a CVM não é sustentada pelo Tesouro, e sim por uma "taxa" cobrada sobre cada operação em Bolsas.
Mesmo assim, a equipe econômica de FHC cortou o orçamento da CVM, impedindo que ela montasse equipes para fiscalizar o mercado e reduzisse os assaltos contra a classe média e o povão brasileiros. As equipes econômicas têm sido, sim, cúmplices dos crimes no mercado financeiro. É essa CPI que está faltando.

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