São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 1997
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Para que a CPI não fracasse

LUÍS NASSIF

A CPI dos Precatórios está num impasse -é o que mais se lê nas matérias provenientes de Brasília. Criou expectativas, e não consegue cumpri-las. Anunciou ter identificado miado de gato, patas de gato, rabo de gato, mas não consegue dizer onde o gato está: o dinheiro dos precatórios.
Usou do pau-de-arara, humilhou testemunhas, deu shows públicos de exibicionismo e, se encerrar agora, não terá conseguido juntar elementos para condenar nem sequer um suspeito.
Pior: abrirá espaço para um sem-número de ações legais contra o Estado, de grande parte dos depoentes, tendo como prova a própria sessão pública de depoimentos.
Dois fatos não podem acontecer nesse momento. Um, a CPI encerrar seus trabalhos agora, sem uma conclusão objetiva. Outro, a mídia começar a culpar os senadores da CPI pelo fracasso nos trabalhos. Se houver fracasso, será de ambos: dos senadores, e de nós, os jornalistas.
Disputa desigual
A disputa entre investigadores e investigados é desigual.
Na ponta dos investigados, tem-se uma suposta corrente de suspeitos, cada qual -mesmo os mais inexpressivos, como Pedro Neiva- sendo assistido pelos mais caros advogados do país. Quem paga?
A tática adotada pela defesa é simples. Um suspeito lança as suspeitas sobre o outro. Mas nenhum avança uma informação objetiva que permita desvendar o enigma do dinheiro desaparecido.
O banqueiro Fábio Nahoum, do Banco Vetor, diz que pagou R$ 25 milhões a Wagner Ramos, por meio da Perfil, e não sabe o que aconteceu depois. Ramos, por sua vez, diz que assinou um contrato com Nahoum, mas só recebeu R$ 1 milhão. O banqueiro teria aproveitado o contrato para passar pela Perfil a quantia restante.
Há um quase evidente sincronismo de versões, que beneficia ambas as partes -à medida em que dilui as suspeitas entre duas pessoas, impedindo a identificação de ação conjunta, sem permitir esclarecer qual delas é culpada.
É a mesma tática utilizada pelos advogados do casal que matou a atriz Daniela Perez.
Em investigações sérias, todo o trabalho consiste em romper a cadeia de solidariedade dos suspeitos, explorando contradições e identificando os elos fracos da corrente. Um dos elos acha que vai pagar o pato sozinho e abandona o pacto de silêncio.
Como operar dessa maneira quando cada informação que se levanta, independentemente ou não de confirmação, é divulgada? Não se tenha dúvida de que todo final de dia, três ou quatro advogados se telefonam, reavaliam o panorama e readaptam as versões de seus clientes.
Exército de Brancaleone
Para enfrentar quase a seleção brasileira de criminalistas, tem-se um exército de Brancaleones, produzindo um volume inaudito de informação, sem conseguir processá-las adequadamente.
Há uma incapacidade extraordinária das partes envolvidas em enxergar o todo, em juntar as informações e formular hipóteses de investigação.
Cria-se essa corrente que come o próprio rabo. O senador recebe informações fragmentadas, passa correndo para o jornalista, que divulga de maneira fragmentada, sem juntar as peças.
Com essa prodigiosa técnica de "esquentar" matérias (dar um lead tonitruante para dourar uma informação sem importância) diariamente passava-se para o leitor a sensação de que, desta-vez-pegamos-o-bandido. Com cinco meses de show, ainda não se pegou ninguém.
Significa que a CPI está perdida? Longe disso. Significa que, nessa pausa de uma semana sem interrogatórios, Senado e imprensa temos que reavaliar nossa maneira de agir -para não frustrar o país.
Tem que se sair dessa cobertura acomodada de 1) ouvir do senador a última do dia; 2) providenciar uma matéria para justificar o "furo" que levou do concorrente.
É necessário que haja planejamento das investigações. Em vez de ir comer na mão de senadores, nosso trabalho correto consiste em desenvolver investigações autônomas, coerentes, consistentes, e utilizar os senadores para esclarecer peças específicas que faltam para serem encaixadas no jogo, montar uma estrutura de inteligência para municiar e orientar os repórteres -acabando com esse estilo "Rambo" atual.
O senador tem o poder de ir buscar a informação que estiver disponível. Com algumas exceções (entre as quais o relator, que está aprendendo de maneira surpreendentemente rápida), não dispõe de capacidade, ou de interesse, de juntar as peças.
Se essa CPI terminar em pizza, parte do fracasso será debitado corretamente à cobertura da mídia. Daí a importância de reavaliar a cobertura e preparar-se adequadamente para o segundo tempo do jogo.

Email: lnassif@uol.com.br

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