São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 1997
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Gripe impediu a perfeição

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A maneira mais sumária de se avaliar o grau de perfeição técnica de um recital consiste em imaginá-lo como uma sessão em estúdio de gravação. Por certo, Kiri Te Kanawa não gostaria que a primeira de suas três apresentações em São Paulo se transformasse em CD.
Não que seu maravilhoso timbre não mais encantasse, ou que a rígida sutileza de seu fraseado desaparecesse por completo. Mas o fato é que a soprano neozelandesa, gripada, ficou alguns pontos aquém de seus reconhecidos limites.
Em dois grandes momentos, a voz de Te Kanawa emergiu por inteiro. Foi na interpretação do terceiro lied do alemão R. Strauss ("Zueignung", opus 10 nº 1, e não o opus 39 nº 4, como estava no programa) e na segunda das canções do francês Hector Berlioz ("Le Spectre de la Rose", opus 7 nº 2).
O Haendel, com que ela abriu o concerto, estava morno, com comedimento na altura da voz, como que testando sua resistência. Um quê abaixo da maneira com que interpretou o mesmo compositor na gravação do CD "The Sorceress", publicado em 1994.
Kiri Te Kanawa passou a se poupar no início da segunda parte do programa. Em "Kling Leise, Mein Lied", de Franz Liszt, sua respiração se tornou mais curta, como se improvisasse uma nova suavidade que a pronúncia dos versos em alemão sublinhava ao extremo.
Na peça seguinte, também de Liszt, "Enfant, si J'étais Roi", sua voz esteve menos eficiente, recuperando o brilho em "Pace Non Trovo", a terceira e última canção programada do mesmo compositor.
Kiri Te Kanawa compensou em alguns momentos suas deficiências circunstanciais com a ênfase no aspecto histriônico que algumas canções comportava. É o caso de "Muttertãndelei", de Richard Strauss, e "Why Do They Shut Me Out of Heaven? ", de Aaron Copland.
Nessas duas ocasiões, não transparecia apenas a mulher que é diva pela voz. Estava igualmente, de corpo inteiro no palco, a grande atriz da cena lírica, a Donna Elvira de Mozart, a Desdemona de Verdi, dois de seus grandes papéis.
Ao término das 17 peças que escolheu para sua primeira récita, bastante aplaudida, a soprano disse estar gripada e desculpou-se por apresentar um único bis. No caso, uma ária da ópera "Gianni Schicchi", de Giacomo Puccini.
Ao fim do concerto, quem talvez se sentiu mais aliviado foi Grant Gershon, o pianista norte-americano que a acompanhou. Ele passou maus momentos. Precisou intuir a cadência e o segundo preciso em que Kiri Te Kanawa se dispunha a começar cada canção.
Ela não se deu ao trabalho de levantar sutilmente o indicador, ou de, com o olhar, sinalizar suas intenções.
Gershon, desorientado, não evitou pequenos desencontros, como em uma ária de Catalani, que, em estúdio, seria objeto de imediata regravação.

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