São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 1997
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CPI dos direitos humanos

ODED GRAJEW

A reportagem sobre a violência policial em Diadema provocou indignação e ira na população. A grande maioria pede punição rigorosa para os responsáveis. Nada mais justo. A impunidade é um enorme estímulo à transgressão das leis.
Nossa situação exige uma grande e decisiva reação. Quero endossar a idéia do jornalista Otavio Frias Filho (Folha, 3/4) da criação no Congresso Nacional da CPI dos direitos humanos no Brasil. Proposta nesse sentido será encaminhada nos próximos dias, subscrita por entidades da sociedade civil.
Casos de violência e de barbárie têm se repetido ao longo do tempo no Brasil, sem que se vislumbre algum tipo de ação que demonstre que as coisas estão mudando. Pelos massacres do Carandiru e de Corumbiara, ninguém foi punido. Todos sabem que cenas de violência policial, como aquelas de Diadema, acontecem impune e diariamente em todo o país.
Apesar de nossa Constituição afirmar que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito (...)", quatro crianças são assassinadas diariamente.
Mais de 250 mil crianças abaixo de 5 anos morrem por ano no Brasil, por completa carência dos cuidados mais elementares. Estão se prostituindo 500 mil meninas abaixo de 12 anos, e mais de 3 milhões de crianças abaixo de 14 trabalham em condições degradantes.
Nosso país é campeão mundial de desigualdade social. Em nenhum país é tão grande a concentração de riqueza nas mãos de tão poucos, e a grande maioria de nossa população vive na pobreza.
A Constituição diz que "são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados (...)". Hospitais e escolas públicas estão caindo aos pedaços. Num país de dimensões continentais como o nosso, milhares de famílias perambulam pelas estradas e clamam, sem conseguir, um pedaço de terra para viver e trabalhar. Milhões de brasileiros moram nas ruas, nos barracos, nas favelas, em condições absolutamente desumanas.
A Constituição determina um salário mínimo "capaz de atender a suas necessidades vitais básicas (do trabalhador) e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social (...)". Nosso salário mínimo é de apenas R$ 112 mensais. A aposentadoria é miserável para a grande maioria de nossos idosos, enquanto a Constituição afirma que temos que "amparar as pessoas idosas (...), defendendo sua dignidade e bem-estar".
A Constituição garante que "todos são iguais perante a lei", mas nossas prisões são verdadeiros depósitos de seres humanos, repletas de pessoas pobres. Rico não vai para a cadeia no Brasil. O ex-presidente Collor, os "anões do Orçamento", os fraudadores dos bancos Econômico e Nacional e tantos outros continuam gozando de boa vida.
O governo alega que não tem recursos. Além de os fraudadores continuarem impunes, a jornalista Eleonora de Lucena denuncia na Folha (1/4): "Até agora, o Proer (...) já devorou R$ 20 bilhões", que "equivalem a todo o orçamento da saúde para este ano -incluindo o dinheiro do CPMF", "o dobro do gasto com educação em um ano", "praticamente duas Vale do Rio Doce", "quase o dobro do dinheiro orçado para o Programa Comunidade Solidária para 97".
Sobram recursos no Brasil. Falta vontade política à grande maioria de nossas elites políticas e econômicas, que se refugiaram em escola, educação, saúde, transporte e segurança privados, nas aposentadorias especiais, na certeza da impunidade dos mais poderosos, na renúncia a um projeto de país mais justo e solidário.
Deputados e senadores devem descobrir as causas que fazem de nosso país um exemplo de desrespeito aos direitos mais elementares dos cidadãos. Em seguida, devem propor medidas drásticas e estruturais para que se torne realidade o que está na Constituição: constituem "objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil" a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos.
Temos que reagir antes que o ceticismo e a desesperança se instalem de vez, antes que a Constituição e as instituições se desmoralizem totalmente, antes que a violência, a miséria, a injustiça social e o desrespeito aos direitos humanos se incorporem de vez ao nosso cotidiano. Com a palavra o Congresso Nacional.

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