São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 1997
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O que celebrar na reforma administrativa

MAILSON DA NÓBREGA

Na cobertura da mídia sobre a reforma administrativa, aprovada em primeiro turno na Câmara nesta quarta-feira, o destaque coube ao teto de remuneração. Parecia que nada mais tinha importância.
Essa insuficiente percepção do todo da reforma tem seu lado positivo. No fundo, a mídia estava respondendo às demandas do novo padrão cultural do país, inteiramente avesso aos privilégios do setor público.
Não se aceita mais o marajanato diante de nossas mazelas sociais e da crise do Estado. Haveria um deputado com aposentadoria de R$ 13 mil por mês, tanto quanto ganha, na ativa, o presidente dos EUA. E tem marajá ganhando acima disso.
O teto não é, contudo, financeiramente relevante. Tem mais valor moral do que fiscal. O governo estima que, se a concessão aos privilegiados for, afinal, aprovada, o gasto será de R$ 100 milhões (a despesa atual é de cerca de R$ 40 bilhões por ano).
Sob o prisma fiscal, os ganhos virão da mudança de três regras: a da estabilidade, a da isonomia e a da autonomia do Legislativo e do Judiciário de fixar seus próprios salários.
A queda da anacrônica rigidez da estabilidade do servidor permitirá que alguns Estados possam ajustar suas folhas salariais à realidade da receita, mediante a demissão por excesso de quadros. Alguns gastam, em pessoal, perto de 100% do que arrecadam.
No Orçamento federal, os benefícios resultarão das duas outras mudanças, principalmente na questão da isonomia. Desde de 1988, tem-se confundido semelhança com igualdade, gerando vantagens e gastos injustificáveis à custa do contribuinte.
No Reino Unido, o salário do cargo equivalente, entre nós, ao de secretário-executivo do Ministério da Fazenda é superior ao de outras pastas. Motivo: os cargos têm a mesma denominação, mas requerem maior dedicação e responsabilidade.
No Brasil, isso daria processo na Justiça. A isonomia, marotamente interpretada, serviu para privilegiar grupos e enrijecer a política de pessoal do governo.
Se o governo quiser estimular uma carreira por razões estratégicas, corre o risco de ser obrigado, por decisão judicial, a estender os benefícios às outras sem qualquer justificativa que não a do distorcido uso da isonomia.
A autonomia salarial do Legislativo e do Judiciário gerou, além das vantagens, demandas por tratamento equivalente no Executivo. Sua participação na folha de salários da União triplicou entre 1991 e 1996, de 5,4% para 15,8% do total da receita.
É correto dar ao Legislativo e ao Judiciário o poder de propor seus próprios salários, mas não como no Brasil, onde eles simplesmente podem mandar a conta para o Tesouro.
Dificilmente se vê essa situação em outro país. O normal é o Executivo ter a iniciativa ou o direito de veto sobre projetos relativos à despesa de pessoal dos outros dois Poderes.
Com a reforma, os aumentos salariais do Legislativo e do Judiciário dependerão de projeto de lei, o que exigirá sanção (ou veto) do presidente da República.
O veto, como se sabe, não barra o processo. É um pedido de reconsideração, que pode ser aceito ou não pela maioria do Congresso. A vantagem é que chama a atenção da opinião pública e pode criar constrangimentos à liberalidade fiscal.
Outro aspecto que mereceu pouca atenção, mas que tem importância indiscutível na modernização do aparelho do Estado, foi o fim do regime jurídico único.
A Constituição de 1988, numa volta aos anos 30, meteu num mesmo saco a administração direta, as autarquias e as fundações. A norma aplicável a um pesquisador passou a ser a mesma do motorista.
É cedo para comemorar a reforma. A margem de apenas um voto prova que todo cuidado será pouco para evitar que as corporações dos privilegiados derrotem a maioria da sociedade, que pede as mudanças.
Se os líderes e o Congresso não decepcionarem nas próximas votações, teremos dado um passo firme rumo à modernização do aparelho do Estado.
O caminho será longo e muito precisará ainda ser feito. No final, teremos melhorado a capacidade de implementação de políticas públicas, com ganhos inequívocos de governança e governabilidade.
Se as reformas prosseguirem, o funcionalismo poderá dispor de maiores oportunidades de ascensão, reconhecimento do mérito e satisfação profissional. Terá desaparecido também mais um pouco dos inúmeros equívocos de 1988.

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