São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 1997
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Reforma agrária, a esfinge brasileira

LUIZ DE LIMA STEFANINI

Este país tem enfrentado muitos e terríveis monstros mitológicos. Alguns ainda nos assustam, outros já foram derrotados ou anestesiados: o minotauro do analfabetismo, a hidra do despotismo, o dragão da inflação, a quimera da corrupção etc. Mas aquele que -cada vez mais perigoso- ainda está a nos desafiar, e ameaça devorar a nação, é a esfinge da reforma agrária. Temos já esgotado o tempo de decifrá-la.
A questão agrária é mais ou menos complexa e explosiva, dependendo da quantidade de combustível político em seu mecanismo. Os componentes homem, propriedade, produção agrária podem gerar um foco de movimento e embates sociais, caso não sejam devidamente tratados pela ciência.
Devidamente assepsiada a questão rural, é possível enxergar que o consórcio estrutural agrário viceja sob o talante de princípios econômicos. A propriedade agrária não é um diagrama inerte, mas uma parcela viva, dinâmica, com vocação natural que impõe ao homem a habilidade de manipulação de acordo com regras econômicos-financeiras, sem as quais o empresariamento sucumbe.
Com efeito, a reforma agrária estereotipada na mudança das mãos do detentor do domínio agrário, na partição de áreas em lotes menores, na prestação pelo Estado de assistência técnica, empréstimos, sementes etc., indubitavelmente perfaz autêntico moinho-monstro de Dom Quixote.
A lei nº 4.504/64 foi conquistada com sinceridade e suportada por lúcidos propósitos. Com todas as alterações que lhe perpetraram até o arroubo do presente século, precisa ser observada com olhos históricos e enfoque crítico. É hora de avançar na certeza e na consciência de que a propriedade agrária é uma partícula da economia rural e não quesito de benesses sociais.
A produção econômico-agrária, que perfaz a natureza intrínseca da propriedade, só sobrevive se atingir, com o retorno remuneratório recompositor do investimento, o custo e o lucro. Tudo o mais é ficção descompromissada com a nação e desobrigada para com a ruptura da miséria e da desgraça de nosso irmão campesino.
Não se quer, evidentemente, escravizar a sociedade, seja ela urbana ou rural, às mazelas das leis econômicas. Neste particular, tem procedência a ênfase que o saudoso Darcy Ribeiro queria ver reverenciada. A economia deve estar a serviço do homem.
Os movimentos no campo, que não são exclusivamente do campo, e os desavisados intelectuais da Itália, da França, da Inglaterra querem exigir do governo do Brasil a agilização da reforma agrária. Não conhecem as dimensões das teses nem têm noção da verdadeira equação "terra para quem não tem terra".
A terra não é, em si, fim e solução para aqueles que querem produzir; os chamados sem-terra, aceitando como sinceros seus propósitos, imaginam que irão viver do cultivo da gleba doada. Onírico e traiçoeiro sonho. Nem a função social ela proverá.
A terra é instrumento de produção social. Seja para os sem-terra, seja para os com-terra. E ninguém, segundo uma estrutura econômico-fundiária como a existente no mundo hoje, não só no Brasil, pode conseguir produzir riqueza primária para a comunidade que demanda esses bens, caso não devidamente avisado, sem entrar em colapso financeiro. Até quando quedaremos nesta sonoterapia?
O pequeno e médio proprietário estão literalmente abandonando a atividade rural. O produtor rural que detém uma área de 1.000 ha não consegue sobreviver de seu trabalho. Está ele hoje oferecendo ao Incra sua propriedade, produtiva e sem qualquer risco de desapropriação, para ser parcelada aos sem-terra, porque outros produtores rurais não têm dinheiro para comprá-la. Não será este um sinal enfático do caos da realidade agrária brasileira?
Os produtos primários que o arrendatário da Alemanha, da França, da Catalunha, os sem-terra europeus, realizam são praticamente artificiais. A participação do agricultor é ínfima diante da burocracia e dos subsídios governamentais, reduzindo a quase zero a iniciativa e os recursos empresariais.
A questão da terra não existe isoladamente. Ela, em realidade, é a questão da produção agrária.
Só quando os intelectuais marxistas conseguirem reciclar o peso dos dogmas avoengos; os políticos deixarem de lado os interesses pessoais; os empresários urbanos forem mais criativos e agressivos na disputa pelo mercado global; os fazendeiros esquecerem que a terra não é um bem para conseguir dinheiro subsidiado, e os sem-terra se conscientizarem de que o país não pode, graciosa e inconsequentemente, presentear com bens de produção a nenhum de seus filhos, mas todos devem ter acesso à propriedade unicamente pelo trabalho, talvez nesse estágio tenhamos ofertado à esfinge a resposta do seu enigma e ela desapareça em meio ao fogo helênico.

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