São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 1997
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'Olhos Azuis' vira racismo de cabeça para baixo

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Olhos Azuis" é um documentário frio sobre um tema fervente: os workshops sobre racismo desenvolvidos pela norte-americana Jane Elliott.
O filme acompanha, especificamente, um desses workshops, realizado em Kansas City com 30 pessoas, entre professores, policiais e assistentes sociais.
Durante duas horas e meia esses indivíduos são submetidos a um estranho experimento: os que têm olhos azuis são separados dos restantes e bombardeados por um tratamento discriminatório e ofensivo semelhante ao que os negros e outras etnias oprimidas sofrem cotidianamente nos EUA.
Durante a sessão, portanto, o que ocorre é uma espécie de encenação condensada do racismo, em que este aparece ao mesmo tempo intensificado e virado de cabeça para baixo.
Os homens e mulheres de olhos escuros (sejam eles brancos, negros, orientais ou mestiços) são orientados a participar ativamente do tratamento de choque infligido aos branquelos, o que inclui testes pseudocientíficos de QI destinados a "provar" sua inferioridade.
Há um mérito inegável nesse tipo de laboratório, que é o de trazer à tona de modo implacável todas as formas de discriminação presentes no dia-a-dia, mesmo as mais sutis.
Mas há outros aspectos mais discutíveis no experimento. Sua comandante (este é o termo), Jane Elliott, parece conduzi-lo com indisfarçável sentimento de vingança -e o que ela enseja aos participantes é uma espécie de catarse.
Os "olhos azuis" choram, confessam, sentem-se purgados da culpa de ser racistas; os negros e outras minorias sentem-se vingados por um breve momento.
É de se perguntar se a experiência, que lembra um pouco certas técnicas teatrais de Augusto Boal, não funciona como o Carnaval, como uma válvula de escape para as tensões e ressentimentos cotidianos -para que no dia seguinte tudo volte a seus devidos lugares.
Mais preocupante ainda é ver -em imagens antigas que o documentário recupera- o mesmo tipo de experiência ser imposta a crianças de sete ou oito anos, com pretextos educativos.
Polêmica à parte, uma coisa é certa: ninguém fica indiferente diante desse "Olhos Azuis".

Filme: Olhos Azuis
Produção: Alemanha/EUA, 1996
Direção: Bertram Verhaag
Quando: hoje, às 17h
Onde: no Cinesesc

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