São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 1997
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Livro trata acidente como fim de era

PATRICIA DECIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Em "Cântico para a Última Viagem", o norueguês Erik Fosnes Hansen, 32, usa o naufrágio do Titanic como o símbolo do final de uma era: a belle époque, a Europa do pré-guerras.
Publicado originalmente quando Hansen tinha 25 anos, o livro conta a história da banda de músicos que tocava no maior navio de passageiros de todos os tempos -eram 1.500 pessoas a bordo- durante sua viagem inaugural, da Inglaterra para Nova York.
Os personagens de Hansen não são baseados nos passageiros reais, têm nomes e histórias fictícias e vêm de várias partes da Europa. Seu destino é conhecido: o navio afundou cinco dias após o início da viagem, em 15 de abril de 1912, sem deixar sobreviventes.
"O que fiz foi pegar esses músicos e, ao mostrar suas vidas, exibir seus desastres individuais e mostrar o desastre de uma velha era. O naufrágio pode ser interpretado tanto como um símbolo do naufrágio pessoal, que todos sofremos -já que todos vamos morrer, temos fracassos seja na carreira ou no amor-, quanto como símbolo de um mundo", afirmou o autor à Folha, por telefone, da Alemanha.
Hansen, que estudou música, teatro e drama, além da literatura, conta que teve a idéia de escrever sobre o Titanic na manhã seguinte a uma festa de faculdade, em Oslo, em que ele havia bebido demais.
"Eu queria escrever sobre músicos. Eu toco piano, conheço muitos músicos e eles são pessoas muito estranhas, como você deve saber. Tive a idéia de fazer um livro sobre o Titanic e pensei que, nessa história, poderia incluir tudo, o navio, o heroísmo e a tragédia do desastre, histórias individuais por toda a Europa e a música", disse.
Para Hansen, o Titanic virou um símbolo tão recorrente também por ter sido o primeiro grande desastre envolvendo tecnologia. "Houve tantos outros acidentes depois, maiores, que tiraram mais vidas, mas o Titanic mostrou que toda a técnica, todas as invenções não são infalíveis. E aconteceu apenas dois anos antes do estouro da Primeira Guerra Mundial. Por isso, virou um símbolo", afirmou.
O autor, que já havia escrito um drama passado no Império Germânico, no ano de 1230, se diz fascinado pelo passado da Europa, especialmente pela belle époque.
"É um período tão cheio de otimismo: o romantismo sobre a técnica, a nova era das massas, o iluminismo, a arte e a leitura acessível para as massas. O idealismo prevalecia entre intelectuais, artistas, todos os setores liberais, democratas e progressistas da sociedade", disse.
"Eles realmente acreditavam que o novo século traria vida e iluminação para as massas -eu descrevo isso no livro- e decretaria o fim da pobreza. As coisas mudaram, mas não se tornaram o paraíso que todos esperavam."
Hansen identifica hoje, na Europa, uma nostalgia muito forte por esse período.
"Há uma tristeza pelo que foi perdido, uma nostalgia pelas virtudes de uma era. Devido ao cataclismo das duas guerras, a Europa perdeu não apenas sua inocência, mas também parte de sua alma. E olhamos para trás, para esse mundo mágico e estranho do passado. Isso me fascina porque é onde estão as raízes do nosso tempo", afirmou. (PD)

Livro: Cântico para a Última Viagem
Autor: Erik Fosnes Hansen
Lançamento: Companhia das Letras
Preço: R$ 29 (424 págs.)

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