São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 1997
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Aborto legal

FLORISA VERUCCI

Desde 1991 transita pela Câmara dos Deputados o projeto de lei 20/91, que dispõe sobre o atendimento pelos hospitais da rede pública do Sistema Único de Saúde às mulheres beneficiadas pelo artigo 128 do Código Penal, que reconhece a legalidade da prática do abortamento quando a gravidez resultar de estupro ou for motivo de risco de vida da gestante.
Passados 57 anos da entrada em vigor do Código Penal, tem-se ainda que tentar a duras penas implementar seu cumprimento.
Há os que não distinguem entre aborto legal e descriminação do aborto e os que não entendem a tragédia da mulher diante de uma gravidez que integra ao seu corpo o horror da violência, da humilhação e da perversão de um criminoso, refletida num filho indesejado.
No caso de risco de vida, as decisões, em geral, são tomadas no âmbito da ética profissional, do saber científico dos médicos, na discrição das relações familiares.
No caso da gravidez resultante de estupro, entra-se na zona cinzenta do crime: o estupro é ainda escandalosamente considerado crime contra os costumes -não contra a pessoa. Por isso, seu procedimento dependente de queixa da vítima. Mesmo com queixa, laudo e inquérito, os médicos pedem uma autorização judicial, que a lei não exige nem prevê. Os juízes não a concedem, não por não concordarem, mas porque o ato pode ser praticado sem autorização.
O aborto legal já está legalizado pelo Código Penal. A necessidade de regulamentar seu procedimento vem dos conflitos e dos desentendimentos entre aqueles que devem cumprir a lei, a polícia, os médicos e os agentes de saúde.
A vontade política de governos e o trabalho de ONGs poderiam gradualmente implantar o cumprimento da norma, a exemplo dos hospitais do Jabaquara e Pérola Byington, em São Paulo. Mas, diante da resistência, procede o projeto 20/91 para explicitar a sua legitimidade e viabilizar os procedimentos.
O projeto, com algumas emendas simplificadoras, encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça. À comissão não cabe entrar na discussão do mérito, mas apenas opinar sobre sua constitucionalidade e juridicidade.
O projeto, na forma aprovada pela Comissão de Seguridade e Família, prevê só cópia de registro de ocorrência policial ou laudo pericial, e não um inquérito, que, por sua demora, pode prejudicar a possibilidade de abortamento, viável até a 12ª semana de gestação.
Vale lembrar que a acusação falsa por parte da mulher implica injúria e calúnia, passível de punição, e que a vítima de estupro, se não acolhida pelos serviços de saúde, recorrerá quase certamente ao abortamento clandestino, correndo, dessa vez, risco de vida.

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