São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 1997
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A guerra dos Rappers

CAMILO ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O rapper Notorious B.I.G. tinha milhões de discos vendidos, colecionou algumas posições no primeiro lugar da parada americana, era uma das maiores e mais milionárias estrelas do rap. Nada disso impediu, no entanto, que ele tombasse esburacado de tiros como milhares de seus irmãos pobres dos guetos negros.
O fato, ocorrido há algumas semanas, quando acrescentado ao assassinato de Tupac Shakur no ano passado, escancara de forma chocante o estágio de violência e desilusão do rap americano.
Afinal, são mega-astros dos show business americano, filhos pródigos da indústria musical, com discos na parada: B.I.G. há três semanas em primeiro com "Life After Death... Till Death Do Us Part" e Tupac com "Makavelli: The Don Killuminati 7th Day Theory" entre as 20 mais.
São pop stars morrendo em situações que lembram as batalhas de traficantes de morro do Rio.
O paralelo é adequado não só nesse aspecto. Assim como no morro carioca, o gueto americano é um lugar onde valentia fala mais alto, problemas são resolvidos a bala, exibicionismo material é sinal de progresso, a malandragem compensa e a ausência de perspectiva dita uma ética de vida que diz: "Viva o máximo hoje porque você pode não ter amanhã".
O gangsta rap, com letras violentas, machistas e niilistas, virou o estilo dominante do gênero nos últimos anos. Não só nas vendagens, como no noticiário, já que discos de gangsta são foco de histeria moral conservadora (como no caso de "Cop Killer", de Ice-T).
Surgiu em Compton, violento gueto negro de Los Angeles, no começo da década com o grupo NWA. Suas maiores estrelas são Ice-T, Snoop Doggy Dogg, Dr. Dre. Tupac Shakur e Notorious B.I.G. eram dois dos mais recentes chegados a esse time.
A polícia de Compton, que investiga o assassinato de Shakur, apresentou há algumas semanas o que diz ser a versão definitiva do crime. Shakur foi metralhado na saída de uma luta de Mike Tyson, em outubro passado. Estava no banco do passageiro de uma BMW preta, dirigida por Mario "Suge" Knight, chefão da gravadora Death Row, a mais importante do gangsta rap. O assassino fugiu.
Nos meses seguintes muita especulação correu solta (até uma história de que Tupac estaria vivo). A teoria predominante era de que era um acerto de contas na cada vez mais intensa rivalidade entre rappers das costas Oeste e Leste.
Segundo a polícia, a morte de Shakur não tem nada a ver com a guerra dos rappers. Em um documento de 29 páginas, diz que o rapper foi morto por Orlando Anderson, que teria sido espancado por uma turma da Death Row no ano passado em Las Vegas.
Anderson teria arrancado uma correntinha do pescoço de um dos seguranças de Shakur alguns meses antes. Um informante disse à polícia que ouviu o segurança identificar o assassino de Shakur como sendo o homem espancado no hotel. O advogado de Anderson nega o envolvimento de seu cliente na morte do rapper.
A polícia diz que a morte de Shakur desencadeou uma guerra de gangues em Los Angeles que resultou em três mortos e dez feridos.
Enquanto isso, investigações recentes em Nova York e Los Angeles também afastam a hipótese de a morte de Notorious B.I.G. ser parte da rixa Leste-Oeste.
A versão corrente é que o motivo foi pessoal, sobre dinheiro que B.I.G. devia a um segurança contratado da gangue angelena Crips para protegê-lo em suas viagens à costa oeste.
Se as mortes não são a transição das palavras para os atos de uma guerra travada em declarações à imprensa e letras entre rappers e agregados das costas Leste e Oeste, ainda assim elas dizem muito sobre a falta de perspectivas do universo gangsta.
O gangsta é a expressão musical de uma geração do gueto, para a qual ter esperança é um luxo e em que morte e exclusão são as únicas certezas.
O ex-vice-presidente norte-americano Dan Quayle, na sua enorme ignorância, resumiu a condição do gangsta ao falar de Tupac: "Não há lugar para ele em nossa sociedade".

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