São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 1997
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Chico mostra face do assentado em CD

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

Novamente dispostos a promover discussões em torno de algum tema de eleição, grandes nomes da família MPB têm optado por voltar às suas próprias raízes e ressuscitar assuntos que debatiam há cerca de 30 anos. É o que faz Gilberto Gil no novíssimo "Quanta" e é o que faz Chico Buarque agora, no mini-CD "Terra", parte integrante do novo projeto do fotógrafo Sebastião Salgado.
O caso nem é tão popular assim, mas, em 1966 -o mesmo ano de sua estréia discográfica, num disco que contava com "A Banda", "Pedro Pedreiro" e "Olê, Olá"-, Chico cobriu de melodias os poemas de João Cabral de Melo Neto do drama da terra "Morte e Vida Severina", para montagem engajada do Teatro do Tuca de São Paulo.
A coisa, transformada em disco ao vivo gravado em cena aberta, está há décadas fora de catálogo. Mas são populares até hoje, em forma de canção ou de poema, versos como "esta cova em que estás/ com palmos medida/ é a conta menor/ que tiraste em vida/ (...) é a parte que te cabe deste latifúndio".
Mais tarde, no "Chico Buarque de Hollanda Vol. 3" (o que continha também "Roda Viva"), de 1968, Chico gravou por sua própria voz esse poema, ainda com corais ao fundo.
Agora, Chico volta, por seus próprios braços, ao tema da terra, da reforma agrária, da luta camponesa. O tom, dessa vez, é bem menos panfletário que o daquela época de radicalismo.
Não passam, na verdade, de duas novas canções, já que "Fantasia" é regravação de canção já presente no disco "Vida", de 1980, e "Brejo da Cruz" esteve antes em "Chico Buarque", de 1984 (o que contém também "Vai Passar").
Chico apresenta o mesmo fio de voz que exibiu em seu CD anterior, "Uma Palavra" (1995), embora um tanto mais afinado.
"Brejo da Cruz" se justifica pela letra (aquela sobre seres "que comiam luz"), mais que pela nova leitura.
"Fantasia" até aprimora a primeira versão, mas foge em termos do tema proposto -por isso é colocado um adendo em coral ao final, como a justificá-la num lance à "Morte e Vida Severina".
Dada a pouca novidade das regravações, ganham interesse ainda maior as novas composições, "Assentamento" e "Levantados do Chão".
A primeira é uma boa canção de Chico Buarque, que filosofa, inspirado em Guimarães Rosa: "Quando eu morrer/ cansado de guerra/ morro de bem/ com a minha terra".
A composição é sutil, dribla o panfleto, mas não deixa de remeter aos mesmos palmos de terra chorados há já muitas décadas por João Cabral de Melo Neto.
Nem tão sutil é a segunda, "Levantados do Chão", que novamente elege o coral como via de expressão, usando as vozes de Chico, Milton Nascimento, Olívia Hime, MPB-4 e outros numa só massa sonora.
Já não há, entretanto, aquelas vozes femininas sofridas das atrizes de "Morte e Vida Severina", marco característico daquela época. Tudo é tranquilo, desanimado, prestes ao piegas.
Adotada a lógica de Chico Buarque, o que se parece poder concluir é que, de três décadas para cá, nada mudou. Ou, antes, só a disposição de espírito, hoje bem mais branda. Pode ser assim, mas pode também se tratar apenas da ótica já assentada do velho artista.

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