São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 1997
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Combate ao racismo avança, diz autora

PATRICIA DECIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Apenas 36 horas no país foram suficientes para Nadine Gordimer, 73, concluir que a situação dos negros na África do Sul, que vivia sob o regime de apartheid até dois anos e meio atrás, progride mais rapidamente do que no Brasil.
A escritora sul-africana, branca, amiga pessoal do presidente Nelson Mandela e Prêmio Nobel de literatura em 91, veio a Brasília para participar do debate "Tolerância: o Papel dos Escritores na Luta por uma Cultura de Paz", promovido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).
O debate contou com a participação da presidente da Academia Brasileira de Letras, Nélida Piñon, do acadêmico Arnaldo Niskier e do escritor Paulo Coelho.
"Vocês têm uma democracia por mais de dez anos, e nós temos um governo democrático há dois anos e meio, mas, de algum modo, acho que tivemos mais progressos", disse a escritora à Folha.
"Encontrei muita gente aqui em Brasília, pessoas de todos os partidos e setores, e senti que há muito racismo disfarçado nesse país. Há muita preocupação porque as leis contra o racismo ainda não foram totalmente colocadas em prática", afirmou Gordimer, autora de "Ninguém para me Acompanhar".
Declaradamente otimista em relação à política na África do Sul, Gordimer, que se notabilizou escrevendo livros combatendo a política de segregação racial no país, afirma que a tolerância entre brancos e negros hoje na África do Sul é "impressionante".
"No geral, a aceitação de negros pelos brancos é absolutamente impressionante, considerando o que os brancos fizeram, durante gerações, aos negros. A adaptação da maioria dos brancos também tem sido notável. Tenham eles o preconceito em seu coração ou não, o fato é que brancos e negros estão começando a viver juntos", disse.
Para comprovar, cita exemplos impensáveis há alguns anos, como as escolas mistas e a quase ausência de conflitos raciais no país. "Apenas em poucas cidades pequenas, brancas, na zona agrícola, de população puramente africâner, há rejeições. Outros pequenos problemas aconteceram dentro de escolas técnicas e universidades."
Para Gordimer, nem a retirada do presidente Mandela da cena política sul-africana traz riscos aos avanços no país.
"Nós, na África do Sul, não compartilhamos a tremenda preocupação do resto do mundo sobre o momento em que não tivermos mais o presidente Mandela conosco. Mandela é um homem muito sábio. Ele não é um desses líderes que não enxergam à frente. Ele está tomando bastante cuidado em treinar pessoas mais jovens a sua volta", disse.
"Eu poderia citar alguns, ao menos três homens muito capazes, nos seus 40 anos, que podem ser candidatos à Presidência. Nesse ponto, nós já sabemos que, provavelmente, Thabo Mbeki será esse homem. Ele está, cada vez mais, tomando conta dos assuntos do país. Agora, conduz as discussões sobre os problemas no Zaire."
Gordimer diz que, sua principal razão para vir ao Brasil é a preocupação em intensificar a relação entre os países do Hemisfério Sul. "É meu dever, como cidadã sul-africana. Temos de parar de olhar apenas para o Hemisfério Norte." A escritora deixou o Brasil ontem com destino à África do Sul.

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