São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 1997
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O PODER DE INDIGNAÇÃO

A reação da opinião pública ao privilégio que os parlamentares pretendiam conceder-se -o teto salarial especial- inspira otimismo. A sociedade condenou uma troca de favores mesquinha, que desacredita os órgãos de representação política e mostra que a fisiologia está bem viva. A pressão foi instantânea e, espera-se, deve evitar que uma reforma séria -a administrativa- seja manchada por uma barganha de baixo nível. Ademais, indica aos deputados oportunistas que seus eleitores estão fartos de chicanas nos corredores do poder e que, diante disso, sua indignação por vezes explode.
Por vezes. O que inspira uma meditação mais detida é o caráter pontual e menos frequente do que o desejável dessas manifestações de repulsa diante do menoscabo -ou coisa pior- pelo bem e pelos bens públicos. O episódio do "superteto" salarial mostra que a sociedade é capaz de falar mais alto -e com eficácia política- quando seus direitos são espoliados. Intrigante é que os cidadãos não tomem, de uma vez por todas, consciência do seu poder.
É certo que os brasileiros já foram às ruas reclamar o direito de escolher seu presidente e para exigir a deposição de um deles, que nos frustrou a todos de maneira revoltante. A sociedade também já não é mais a massa amorfa, bestializada e desorganizada, como constataram por décadas os cientistas sociais. Cresce a participação popular em conselhos de saúde e de educação, por exemplo. O espírito associativo e comunitário, ainda que fraco, se difunde.
Por outro lado, é compreensível a desconfiança em relação aos serviços prestados pelos poderes públicos. Impunidade, corrupção recorrente, a dificuldade de acesso do cidadão ao Estado, tudo isso contribui para instilar um desalento em relação às possibilidades de mudança.
O problema é que a reforma desse quadro depende, e muito, desses cidadãos desesperançados. Pode parecer que estamos diante de um círculo vicioso, se se levar em consideração apenas a fotografia desse estado de coisas. No entanto, a história não é a sucessão dessas cenas estáticas. Momentos especiais, como a campanha das diretas e a do impeachment, podem ajudar a modificar a consciência conformada com o status quo. O presente exemplo, da pressão pela moralidade no Congresso, mostra qual é o poder da indignação.

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