São Paulo, quinta-feira, 17 de abril de 1997
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Soropositivo dança a urgência

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Sete anos após sua última temporada no Brasil, o coreógrafo e bailarino norte-americano Bill T. Jones, soropositivo para o vírus da Aids e um dos nomes mais marcantes da dança contemporânea, volta em maio em nova fase.
Símbolo de uma nova época na dança moderna norte-americana, Jones recusou o pós-modernismo da geração que o antecedeu para gerar uma dança de compromisso social e político.
Diz que a dança não pode ficar alheia às injustiças e contradições da sociedade. Em setembro de 1994, causou polêmica ao estrear "Still/Here" (Ainda/Aqui), que realizou depois de conviver com doentes terminais, cujas imagens filmadas usou em cena.
Em São Paulo, seu grupo se apresenta no teatro Sérgio Cardoso, nos dias 27 e 28 de maio. No Rio, estará nos dias 30, 31 de maio e 1º de junho, no teatro João Caetano.
Leia a seguir trechos de sua entrevista à Folha, por telefone, de São Francisco (EUA).
*
Folha - Hoje, quase três anos após "Still/Here", como você avalia o significado desse espetáculo? Você repetiria a experiência?
Bill T. Jones - Não tenho razão para repetir uma experiência como "Still/Here" agora. Foi uma obra de pesquisa. Na época, eu queria transformar em espetáculo um assunto profundamente pessoal. Consegui, aprendi muitas coisas com as questões que "Still/Here" levantou. Mas hoje o que prevalece é o que fazer agora, já que ainda estou aqui.
Minhas preocupações atuais são o repertório de meu grupo, o que estamos desenvolvendo, o que podemos projetar para o futuro. Se me é permitido estar vivo, então tenho que viver com paixão.
Folha - "Still/Here" significou uma espécie de libertação?
Jones - Sim. Chegar ao fim de "Still/Here" foi como me livrar de um peso. Foi um trabalho poderoso, as pessoas viram e reagiram com profundidade, comprovando para mim o poder da arte.
Por outro lado, "Still/Here" também permitiu que eu reafirmasse para mim mesmo minha capacidade de fazer arte, e isso me trouxe mais confiança.
Folha - Ultimamente parece que você vem trocando o conteúdo narrativo de "Still/Here" e de obras anteriores por coreografias que valorizam mais a dança pura...
Jones - É verdade, em parte. Sempre me interessou o movimento pelo movimento, mas também sempre pensava que eles serviam a alguma coisa. Agora, tento colocar emoção em movimentos abstratos, mas eliminando elementos no sentido de tornar os movimentos mais claros.
É um processo mais difícil, pois os bailarinos lidam com situações cujo conteúdo desconhecem. Ao mesmo tempo, eu e os bailarinos estabelecemos um diálogo mais fácil, já que eles podem encontrar seus próprios caminhos. Aí cada um ganha voz própria.
Por isso, muitos dos trabalhos que tenho feito se fundamentam na reconstrução de minha companhia. Estou reconstruindo um grupo de dançarinos que não devem ser somente atores, pois estão empenhados em explorar uma dança mais verdadeira.
Ao mesmo tempo, sempre gosto de sentir que cada trabalho representa um novo esforço para resolver um problema. Estou planejando uma versão da tragédia "As Bacantes", de Eurípides, e esta será uma peça sobre um conteúdo específico, que satisfaz meu desejo de falar sobre temas relativos a vida, morte, Deus e seres humanos.
Também estou desenvolvendo um espetáculo de longa duração, sobre músicas de Stravinsky e Dasks, que explora a dança pura, embora fale sobre a viagem de uma comunidade em direção à virada do século 20. Na verdade, trata-se da jornada de minha própria vida nos últimos 20 anos.
Folha - Depois de "Still/Here" você realizou o espetáculo "You Can See Us", com Trisha Brown, bailarina e coreógrafa que é um dos símbolos da dança pós-moderna e cujos princípios abstratos você chegou a recusar. Qual o significado do encontro com Trisha?
Jones - Foi um grande aprendizado. Compreendi melhor Trisha e apreciei muito o fato de essa mulher que já chegou aos 50 anos estar se movimentando e dançando melhor do que nunca.
Nosso encontro foi uma revelação para mim e estou usando muito do que aprendi. Observei em Trisha como ela pensa o movimento, como usa o esqueleto, como considera o espaço e o tempo.
Folha - Doze anos após seu diagnóstico de HIV positivo, você continua esbanjando energia, vitalidade e fazendo muito sucesso. Você se considera um vencedor?
Jones - (Dá uma gargalhada) Não sei. Só sei que não há razão para desespero em minha vida. Sou um homem maduro, de 45 anos, e penso que homens com esta idade que não têm o vírus da Aids também não podem saber se viverão mais 20 anos. Não me sinto anormal em minha relação com a vida. Sinto que a cura pode estar próxima e durante a maior parte do tempo procuro cuidar de minha saúde e aceitar as coisas.
Folha - Depois de fazer "Still/Here", escrever um livro e conquistar reconhecimento internacional, quais são seus desafios?
Jones - Minha companhia está num bom momento, mas as artes em geral atravessam muitas dificuldades atualmente. Portanto, meu desafio real é manter a unidade de meu grupo, fazer minha companhia sobreviver.
Pessoalmente, meu desafio é não me tornar ultrapassado. Quero me manter estimulado sobre a cultura da dança e do teatro, aperfeiçoar minha relação com um novo mundo. A arte que desenvolvo será relevante no século 21? Sempre me faço essa pergunta e penso que é importante conquistar um certo estado de graça à medida que os anos passam, aceitando o que virá.

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