São Paulo, sábado, 19 de abril de 1997
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Leia a íntegra das cartas

Excelentíssimo senhor
dr. Fernando Henrique Cardoso
M.D. presidente da República
Palácio do Planalto
Senhor presidente,
Estamos aqui, representantes de nosso Movimento, depois dessa longa marcha, por mais de mil quilômetros. Estão, também, representantes de entidades que atuam na reforma agrária, organizações da sociedade e personalidades envolvidas com os problemas do campo.
Vimos para denunciar à sociedade a gravidade da crise social que existe no campo. Denunciar a responsabilidade da política do governo, que tem provocado o aumento desses problemas. E propor mudanças.
Não necessitamos historiar a estrutura injusta da propriedade da terra no Brasil, e as seculares relações de exploração impostas aos trabalhadores. Nem precisamos descrever as formas como a oligarquia rural tem manipulado, explorado, humilhado nosso povo. Essa mesma oligarquia que sempre esteve no poder, inclusive no seu governo. O senhor conhece muito bem as raízes estruturais dos problemas do meio rural brasileiro. As razões da miséria e da falta de desenvolvimento.
Vimos, no entanto, dizer-lhe que não concordamos com os rumos de sua política econômica. Que, ao contrário de sua opinião, e da propaganda de seu governo, é a principal causadora do aumento do desemprego e do agravamento das condições de saúde e de educação de nosso povo.
Vimos dizer-lhe que a política agrícola de seu governo está diminuindo a renda dos pequenos e médios agricultores e está aumentando o êxodo rural. Está diminuindo as oportunidades de trabalho no campo. E está gerando um desânimo generalizado entre os trabalhadores rurais. Dizer e colocar, como meta de política agrícola, o modelo de agricultura norte-americana para o Brasil, como afirmaram seus ministros da área econômica é, no mínimo, falta de criatividade e, sobretudo, de responsabilidade.
O programa de reforma agrária de seu governo não é um programa de reforma agrária. É apenas a realização mal feita de alguns assentamentos para resolver alguns casos de tensão social. E de regularização de áreas de posseiros, nas regiões norte e centro-oeste, o que é positivo, mas insuficiente.
O uso do Imposto Territorial Rural, em nenhum país do mundo se revelou instrumento de distribuição de terra. E não adianta apenas melhorar a legislação. Além do que, o seu governo tem provado que não tem vontade política de realmente cobrar dos latifundiários. Pois a legislação anterior permitia uma cobrança significativa e não foi feita. Aliás, seu ministro revelou à bancada ruralista que a legislação anterior era mais punitiva ao latifúndio do que a nova proposta do governo. Dessa forma, conseguiu o apoio da bancada.
Não basta dizer que custa caro fazer assentamentos. O senhor sabe que a agricultura é ainda a forma mais barata de resolver o problema de emprego e de trabalho para milhões de brasileiros. Não é problema de recursos. É, sim, uma questão de prioridade, de o governo decidir onde vai gastar. Não vemos essa mesma preocupação com os altos gastos do governo, com os juros da dívida interna e externa. Para os gastos com a publicidade e com os bancos falidos não faltam recursos financeiros. Tampouco se resolve a questão dos recursos para a reforma agrária exigindo que a sociedade pague mais impostos.
Para resolver os problemas sociais que existem no campo, é preciso querer enfrentá-los. E não apenas se apegar a metas simplistas, prometidas em campanha eleitoral. Metas não resolvem problemas. Por isso, não nos interessa discutir números. Queremos discutir decisões políticas e de prioridades para solucionarmos os problemas sociais do campo e da cidade.
O ministro da Reforma Agrária tem se revelado apenas um especialista em marketing político. A cada semana cria um novo programa "fantástico" que irá resolver a questão da reforma agrária. Mas, de concreto, que problema social resolveu a criação do Lumiar (ainda só no papel)? O Projeto Casulo? As propostas de descentralização? A fiscalização do ITR? A Campanha de desarmamento? As terras do Exército? E outras iniciativas que costumamos chamar de "perfumarias" que não alteram a essência da sujeira do problema. E, agora, já se está falando até em colonização. Que nunca foi reforma agrária.
Vimos aqui dizer-lhe que é preciso o governo priorizar uma política ampla e massiva de reforma agrária, que leve em conta as seguintes linhas políticas:
1. A terra deve ter acima de tudo uma função social, de servir ao bem comum.
2. Desapropriar massivamente para combater a concentração da propriedade da terra e a existência do latifúndio em nosso país.
3. Reorganizar a produção agropecuária, priorizando o mercado interno e o abastecimento da população, de acordo com suas necessidades básicas, buscando eliminar a fome.
4. Vincular a reforma agrária a programas de implantação de agroindústrias, cooperativas, nos assentamentos, que visem a melhoria da renda e criação de novas oportunidades de emprego, em especial para a juventude.
5. Democratizar e garantir o acesso dos serviços públicos para a população do meio rural, em especial a questão da educação.
6. Combater o êxodo rural, gerando condições de desenvolvimento no campo, proporcionando condições para que as famílias permaneçam em seus locais de origem.
7. Mudar sua política agrícola, utilizando os instrumentos de preços, crédito e seguro agrícola, para realmente viabilizar as atividades da agricultura familiar.
8. Mudar a política econômica em busca, em primeiro lugar, do aumento do emprego, da distribuição de renda e do bem-estar da população brasileira.
9. Mobilizar sua base parlamentar para aprovar imediatamente os projetos de lei que agilizariam a reforma agrária, como o projeto que impede liminar de despejo -que é fonte da violência policial (dep. Dutra). O projeto que impede o pagamento de juros compensatórios (senador Roberto Freire e dep. Luís Eduardo Greenhalgh); o projeto que aperfeiçoa o processo de desapropriações (senador Flaviano de Mello).
As organizações de trabalhadores e da sociedade, reunidas no Fórum Nacional da Reforma Agrária, têm discutido e apresentado, ao longo desses anos, muitas sugestões aos governos, que representam uma proposta de reforma agrária. O governo só não as aproveita se não quiser.
Essas propostas não são genéricas. Essas propostas representam a redefinição da política fundiária do governo. A responsabilidade de aplicação de política fundiária é do governo. Não do MST. E o ritmo e volume das ações que o governo fará nessa direção é que irão revelar qual o grau de verdadeira disposição que o governo terá para resolver os graves problemas do campo.
Por isso, não vimos aqui para ouvir apenas que o senhor está disposto a fazer isso ou aquilo. E a pedir a nossa colaboração para o diálogo. Ou a pedir mais impostos para a sociedade. Vimos aqui para entregar-lhe uma mensagem.
A resposta não queremos na forma de discurso. Queremos na forma de ações práticas, que esperamos que aconteça, e estaremos atentos para cobrá-las.
Senhor presidente, gostaríamos de lembrar que o pior governo que um povo pode ter é aquele que não resolve os problemas sociais e ainda exige que o povo não se organize para lutar por solução.
Atenciosamente,
Pela direção nacional do MST,
(a) João Pedro Stédile; Marina dos Santos/ Gilmar Mauro/ José Rainha Júnior/ Darci Maschio; Enio Bonemberger.

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